terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Proibir livros














O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) já se pronunciou por diversas vezes, sobre a proibição de livros decretada nos Estados membros da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH) e vale a pena conhecer as suas decisões.
O primeiro caso de que há memória foi o célebre caso do Little Red School Book que foi proibido em Inglaterra em 1971, depois de já ter sido publicado em diversos países. Entenderam os tribunais ingleses que caíam sob a alçada do Obscene Publications Act afirmações como “Se calhar fumas haxixe ou deitas-te com o teu namorado ou namorada, sem o dizer aos teus pais nem aos teus professores porque não ousas fazê-lo ou pura e simplesmente, porque não tens vontade de falar disso. Quando fazes coisas que tens mesmo vontade e as achas boas, não te sintas culpado ou envergonhado pela simples razão de os teus pais ou professores poderem desaprová-las. Muitas delas terão mais importância para ti na vida do que aquelas que são aprovadas” ou, ainda, “A pornografia é um prazer inofensivo se não se levar a sério e se não se pensar que corresponde à vida real. Quem a confundir com a realidade ficará profundamente desiludido. Mas também é muito possível que tu retires (da pornografia) ideias boas e descubras coisas que parecem interessantes e que ainda não experimentaste”.
Em 1976, o TEDH considerou que tal proibição não violava a liberdade de expressão tal como a mesma está consagrada no artigo 10.º da CEDH, tendo em conta o fundamento invocado pelas autoridades inglesas: a protecção da moral, nomeadamente dos jovens.
Em 2005, no caso I.A. contra a Turquia, numa decisão muito dividida (4 votos a favor e três contra, sendo um deles do juiz português Irineu Cabral Barreto), o TEDH considerou, novamente, ser aceitável à luz das excepções consagradas na CEDH, a proibição pela Turquia de um romance e a condenação do seu autor em pena de prisão convertida em multa, por o considerar blasfemo.
Na opinião da maioria dos juízes, a proibição do livro justificava-se por as expressões utilizadas no livro não serem somente ofensivas, chocantes ou provocativas mas constituírem “um ataque abusivo ao Profeta do islão”. A proibição visava, assim, impedir “ataques ofensivos relativamente a assuntos considerados sagrados pelos Muçulmanos” , sendo certo que o TEDH, anteriormente nos casos Otto-Preminger-Institut (1994) v. Austria e Wingrove v. the United Kingdom (1996), igualmente aceitara restrições à liberdade de expressão em defesa de convicções religiosas, nestes casos para a protecção de populações cristãs.
Ao invés, no caso Plon contra a França, em 2004, o TEDH considerou que a França tinha violado a liberdade de expressão consagrada na CEDH ao proibir a distribuição do livro O Grande Segredo, escrito por um jornalista e pelo médico pessoal do presidente Mitterrand, publicado após a morte deste e em que era revelada a doença cancerosa de que padecera pouco após a sua reeleição em 1981 e que fora cuidadosamente ocultada apesar de serem publicados semestralmente boletins de saúde. A família conseguira, primeiro no âmbito de uma providência cautelar e depois numa acção comum, proibir e manter a proibição da distribuição do livro. Para o TEDH, a proibição provisória, na sequência da publicação do livro dez dias após a morte de Mitterrand, justificava-se tendo em conta a violação do segredo médico e os danos provocados ao bom nome do falecido e o sofrimento provocado à família ao expô-lo como alguém que mentira ao povo que o elegera.
No entanto, o TEDH já não considerou legítima a manutenção dessa proibição, quando o tribunal a decidiu manter nove meses depois da morte de Mitterrand: a responsabilidade civil e profissional do médico já fora averiguada, milhares de volumes do volume já tinham sido apreendidos e cópias do livro circulavam na internet, pelo que a questão do segredo médico estava ultrapassada, não havendo uma “necessidade social imperiosa” de manter a proibição. E, por isso mesmo, o TEDH considerou que a França violara a liberdade de expressão.
Também nos casos The Observer & Guardian Newspapers Ltd. contra o Reino Unido (1991), em que tinha sido proibida a publicação de excertos do livro Spycatcher, escrito por Peter Wright, um espião do MI5, por existirem riscos para a segurança nacional com a sua publicação, o TEDH fez uma distinção semelhante. Considerou que com a proibição cautelar decretada pelos tribunais ingleses, entre Julho de 1986 e Julho de 1987, não tinha havido violação do art.º 10.º da CEDH, mas a partir dessa data com a publicação do livro nos Estados Unidos, considerou que já não se justificava a manutenção da proibição pelo que declarou que o Reino Unido violara o art.º 10.º da CEDH.
Em 2001, no caso Associação Ekin contra a França, o TEDH considerou que a proibição pelo Ministério do Interior da circulação naquele país de um livro que, segundo as autoridades francesas, promovia o separatismo basco e defendia o recurso à violência, constituindo uma ameaça à ordem pública, não se encontrava justificada à luz da CEDH, constituindo uma medida excessiva.
Em sociedades democráticas de informação e globalizadas, como são, em maior ou menor grau, as sociedades dos países membros do Conselho da Europa, torna-se cada vez mais difícil, tanto em termos da sua legitimidade, como da sua eficácia, criar e manter um índex de livros proibidos. (Público de 16/01/10)
[FTM]

1 comentário:

Matos disse...

a censura a livros na União Europeia é anterior a 1971 :

A Alemanha deveria republicar o “Mein Kampf”?

http://blog.controversia.com.br/2007/07/18/a-alemanha-deveria-republicar-o-mein-kampf/