«Uma amiga dizia-me há tempos que a burqa tem as suas vantagens. "Há dias em que acordamos maldispostas e não temos vontade para arranjar o cabelo ou usar maquilhagem." Enfiar um trapo medieval, da cabeça aos pés, seria um descanso para muitas. E, convém lembrar, um direito: se uma mulher se decide enfaixar livremente, por que motivo devemos proibir o gesto?
Resposta: não devemos. E a lei que a França prepara sobre a matéria não pretende essa abolição total. Se as mulheres usam burqa em casa, nas ruas, nos jardins – problema delas. Mas se usam burqa nos hospitais, nos serviços públicos, nos transportes – problema de todos.
Em sociedade, o nosso respeitável solipsismo termina quando entramos em interacção com terceiros. O que implica uma capacidade de reconhecimento mútuo: de olhar para o rosto de um estranho, divisando-lhe expressões ou intenções. Esse reconhecimento é um imperativo de comunicação e confiança. Mas é sobretudo uma condição de civilidade: a civilidade que faz das sociedades ocidentais aglomerações de pessoas, e não de fantasmas.»
[JPC, Correio da Manhã, 31/1/2010]
1 comentário:
... mas mantém-se a máxima: "Quem vê caras, não vê corações".
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