segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

À busca do acórdão perdido

“... a verdade é que as lojas maçónicas, incluindo o Supremo Tribunal Administrativo e a Relação de Lisboa, deixaram-se infiltrar pelo jesuitismo e profanos de avental, que constituíram uma máfia que opera nos tribunais portugueses — um grupo de indivíduos incluindo juízes, magistrados do Ministério Público, ministros (da Justiça e de outras pastas), advogados, banqueiros, empresários, embaixadores, autarcas, homens do teatro, do cinema e da televisão — que distribuem sentenças entre si em benefício dos seus irmãos”.

Estas insólitas afirmações constam das alegações de um recurso apresentado no Supremo Tribunal Administrativo (STA) em que o recorrente pretendia ver declarada a nulidade da decisão que lhe aplicara a pena de aposentação compulsiva por entender que os juízes autores dessa decisão “são membros da Máfia dos Tribunais Portugueses” pelo que “não constituem um verdadeiro tribunal”.

O STA negou provimento ao recurso tendo em conta que “os Juízes que intervieram na decisão em causa foram nomeados pela entidade competente e de acordo com o quadro legal aplicável”. E o acórdão do STA foi publicado na base de dados www.dgsi.pt disponibilizada pelo Instituto de Tecnologias de Informação na Justiça (ITIJ) onde ficou ao dispor de todos os juristas e interessados.

Até aqui, para além do insólito e violento conteúdo das alegações, nada de especial haveria a referir. O que é grave vem a seguir e levanta uma questão que já há muito é colocada pelos juristas e deve ser colocada por todos os cidadãos.

Sucede que dias depois de ter sido disponibilizado na referida base de dados, o acórdão desapareceu da mesma, deixando de estar acessível aos portugueses, reservado a não se sabe bem a quem, porque quem tentava lá chegar, nada mais via do que uma página em branco e era-lhe pedida uma password ! Fantástico, não é ?

Mas, graças a Deus, muitas vezes a internet está um passo à frente dos detentores do poder, sejam eles chineses ou portugueses. O Google faz “fotografias” de todas as páginas que vão surgindo e guarda-as em “cache” e, assim, o acórdão continuou a poder ser consultado embora fora da página da base de dados oficial..

Entretanto, segundo apurei, já um anterior acórdão do STA sobre o mesmo assunto havia estado disponível na base de dados do Ministério da Justiça e tinha, posteriormente, sido retirado. A gravidade da questão é por demais evidente e já foi abordada, por outro prisma, num artigo de José Manuel Meirim publicado neste jornal em 28 de Março do ano passado, de que transcrevemos um excerto: “ Com o surgir das bases de dados públicas e de acesso gratuito e universal via internet – não curamos agora das suas deficiências -, o endereço electrónico www.dgsi.pt passou a constar necessariamente do léxico do jurista. Sucede, no entanto, que no âmbito das decisões de ordem judicial (Supremo Tribunal de Justiça e Tribunais da Relação), o número de acórdãos disponibilizados se fica por cerca de um quarto da totalidade dos que são efectivamente proferidos. Tal pressupõe uma selecção cujos critérios não se nos apresentam seguros, sem contar com a natural subjectividade de quem leva a efeito essa tarefa”.

Na verdade, a selecção dos acórdãos que passam a estar disponíveis não obedece a critérios publicitados e escrutináveis e, parece ocioso lembrar que, nas nossas sociedades, o saber é poder...

Um juiz desembargador relatou-me, há dias, , uma situação que ilustra bem um dos problemas causados por esta situação: num determinado processo, tinha proferido uma decisão em 1ª instância que o Tribunal da Relação, em recurso, decidira em sentido contrário, tendo esta decisão sido publicitada. Contudo, o processo chegou ao Supremo Tribunal de Justiça (STJ), que revogou a decisão do Tribunal da Relação, confirmando a decisão da 1.ª instância, mas este acórdão do STJ não foi publicitado, pelo que quem estudasse o assunto, provavelmente, conformar-se-ia com o entendimento do Tribunal da Relação. Mas para além desta situação, muitas outras se podem configurar, como, por exemplo, a da não divulgação de acórdãos com votos de vencido cerceando o livre debate de teses jurídicas (de momento) não maioritárias.

Segundo me foi referido, a razão para não serem introduzidos na base de dados informática, todos ou quase todos os acórdãos, será a falta de verbas por parte do Ministério da Justiça para pagar a quem faça tal trabalho. Uma razão que me parece que deve ser rapidamente ultrapassada. Mas convenhamos que tal justificação é um pouco incongruente: se não há dinheiro para pagar a juristas/informáticos para colocar os acórdão na base de dados, como é que há dinheiro para lhes pagar para retirarem acórdãos da mesma base de dados ?Mas sobretudo como é possível admitir-se que se censurem decisões de órgãos de soberania e que se possa considerar as mesmas como só acessíveis a alguns portugueses?

Entretanto, ontem e anteontem, diligenciámos junto do ministério da Justiça para apurar da responsabilidade desta decisão censória. Em boa hora o fizemos: ficámos a saber que a decisão tinha sido do próprio Supremo Tribunal Administrativo e que , oficialmente, destinar-se-ia a verificar se o que estava publicado correspondia ao que estava no processo (!). Certo é que, ontem ao fim da manhã, os acórdãos em causa voltaram a estar disponibilizados na base de dados do ITIJ. A censura já não é o que era ... (Público de 30/01/10)

[FTM]

6 comentários:

C.M. disse...

Meu caro Dr. Teixeira da Mota, pode indicar o nº de processo ou o relator do mesmo? Sem esses dados náo é possível localizar o acórdão...

A Torto e a Direito | TVI 24 disse...

Os acórdãos do STA são de 12/17/2008 e de 01/14/2010 (FTM)

C.M. disse...

Muito obrigado pela "dica". Através da data, chegamos lá.

Abraço!

C.M. disse...

Já está!

Proc 043845 de 17-12-2008
Relator Políbio Henriques;

Proc 043845 de 14-01-2010
Relator António Bento São Pedro.

Que o Juíz Pimenta tem carradas de razão, lá isso! Mas vai arcar com mais um processo-crime, que as "primas-donas" e a maçonaria não perdoam!

Ricardo Klein disse...

Estou bastante confuso. Foi-me dito por um deputado do BE que este texto seria uma brincadeira. Afinal, isto é real ou não?

A Torto e a Direito | TVI 24 disse...

Pode consultá-los na base de dados www.dgsi.pt , Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo. As datas e relatores para localizar, estão no comentário de C.M.
(FTM)