segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Astrologias

Quando um ano termina e outro começa, o jornalismo mergulha em desporto conhecido: revisões e antevisões. As revisões são fáceis: é só folhear e resumir a prosa publicada nos últimos 12 meses, de preferência com imagens "artísticas" para enfeitar. As antevisões são mais complexas e, como se lê aqui, normalmente dão buraco. Valerá a pena insistir?
[JPC]

Um filme, uma década (cont.)

Começam a chegar ecos do desafio "Um filme, uma década", que terá como prémio final um salpicão caseiro. O Luciano, por exemplo, aposta em Gran Torino, Up, Little Miss Sunshine e A.I., de Spielberg. Diz o Luciano que são tudo filmes sobre a infância e a velhice, dois momentos em que tudo é possível e já nada é possível. Isto despertou uma certa melancolia no Luciano; não devia. As minhas escolhas são bem piores: só incluem a velhice, ou seja, a etapa da vida em que já nada é possível. Porquê? Não vou dissertar sobre a matéria; a minha psicanalista é paga para isso. Mas reparo que sempre tive uma pessoalíssima inclinação pelos anos finais, talvez uma forma estóica de os antecipar e desarmar no seu terror evidente.
O Bruno, pelo contrário, pode ser um velho avant la lettre. Ele próprio, em coluna saudosa na saudosa Atlântico, brindava o auditório com meditações mensais cobertas de outono e ironia. Mas, pelas escolhas fílmicas, temos doses generosas de ninfas (Lost in Translation), graciosidade (Catch Me If You Can) e até romantismo (P.T. Anderson). É sempre bom saber que ainda existe esperança para alguém da tribo.
[JPC]

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Um filme, uma década

A primeira década do século XXI caminha para o fim (em 2011...) e os profissionais das listas entram em ebulição. Não é crítica. Sou um deles, como se pode ver aqui. Mas eleger um único filme, mesmo que seja antes do tempo, é tarefa ingrata e a Slate resume a dimensão da empreitada. Pessoalmente, concordo em parte com o Ricardo, sobretudo na escolha do Rivette, do Clint e do Spike Lee (mas não, hélas, do Cronenberg). Contas feitas e refeitas, aposto em dois: Saraband (2003) e Starting Out in the Evening (2007), este último por razões pessoais. Mas sempre gostava de ouvir as opiniões da Charlotte, do Alberto, do Joaquim, do Francisco, do Paulo, do Pedro, do Henrique, do Bruno, do outro Bruno, do Carlos, do Luciano, do Martim, dos Eduardos (este e este) e de quem mais vier.
[JPC]

domingo, 20 de dezembro de 2009

O Joãozinho

Visitado por três espíritos natalícios, acordei na manhã de sábado um homem novo. Parti para os estúdios da TVI, gravei o programa A Torto e a Direito (a propósito, observem só o bom gosto do Pedro Correia) e, no final, fiz um apelo aos homens de boa vontade: ajudem o Joãozinho. Não sou eu; é a nova ala pediátrica que o Hospital de S. João, no Porto, pretende construir: uma iniciativa da sociedade civil para tratar e até ensinar as crianças internadas. O site é este.
[JPC]

Despedidas de Inverno

O PAÍS despede-se de 2009 em plena campanha eleitoral para 2010. Bastou acompanhar as últimas sessões no ringue parlamentar para perceber a estratégia do governo: encostar-se às cordas e esperar que alguém termine com o massacre. Mas haverá mesmo um massacre? O governo diz que sim. Para começar, a Oposição instrumentaliza a Justiça para atacar o primeiro-ministro. E ainda aprova diplomas lunáticos que põem em causa a sanidade financeira da nação. Que, na verdade, seja o PS a usar a Justiça para atacar a Oposição, pouco importa. E pouco importa que o descalabro económico seja, em grande medida, um prodígio de Sócrates. No próximo ano, entre o Orçamento e o Verão, haverá uma janela constitucional para que o governo, no papel de vítima, se lance dela. Em busca da maioria perdida. Resta saber se um país amnésico o acompanha no salto.
[JPC, Correio da Manhã]

Sismos obrigatórios

José Medeiros Ferreira chamava ontem a atenção para a «inocente» proposta de um «seguro obrigatório» para sismos. Pensei que a coisa não passava sem discutir-se, mas estava enganado. O Público (pelo menos) mencionava a proposta como um avanço civilizacional sem discutir a bondade e o «a quem aproveita» desta bravíssima «iniciativa legislativa». Vendo bem, os Elementos sabem o que fazem – avisam por sismos. E o que avisaram eles? Que as companhias de seguros e os bancos proprietários precisam de novas fontes de rendimento obrigatório. Vai daí, as autoridades arranjaram maneira de pôr as placas tectónicas em movimento, para mostrar como o mundo é perigoso e que só se salva com mais um seguro obrigatório. O meu país não dispensa a palavra «obrigatório»; chama-lhe «uma inevitabilidade».
[FJV]

sábado, 19 de dezembro de 2009

Minaretes

A 'ISLAMOFOBIA' é uma nova forma de antisemitismo? Rui Tavares, que se apresenta por aí como ‘historiador’, diz que sim: aqueles que proíbem minaretes na Suíça são tão intolerantes como os nazis que exterminavam judeus na 2ª Guerra. Não vale a pena dissertar sobre a natureza imoral da comparação. Melhor perguntar ao ‘historiador’ quantos atentados terroristas os judeus alemães cometeram na década de 30 em nome de uma interpretação fundamentalista da Torah. A decisão dos suíços é obviamente absurda. Mas ela nasce de um medo real e não de uma mentira fabricada: o medo do terrorismo islamita. Atenção aos termos: a relação não é entre o islamismo e o terrorismo; é a inversa – uma fatalidade que, presumo, não é culpa dos suíços. Misturar tudo para alegar um novo antisemitismo apenas serve para revelar os contornos do velho.
[JPC, Correio da Manhã]

Democracias parlamentares

MARCELLO CAETANO costumava dizer que os portugueses não estavam talhados para democracias parlamentares. Os ingleses, com certeza. Mas nós? Ignorantes e incivilizados? Sempre deplorei a tese: como alguém dizia, a democracia é o pior regime, com a excepção de todos os outros. Infelizmente, o PS não concorda e subscreve a versão antidemocrática do prof. Marcello. Ao persistir na lamúria contra a oposição e ao tentar arrastar pateticamente o Presidente da República para o ringue, o PS confessa que só existe um tipo de poder que se ajusta aos portugueses: o poder absoluto, sem espaço para ‘diálogo’, ‘vigilância’ ou ‘negociação’. O Parlamento, na concepção do PS, não passa de um empecilho, que o eng. Sócrates suspendia de bom grado. Sim, o país mudou no 25 de Abril. Pena que o PS de hoje tenha ficado no dia 24.
[JPC, Correio da Manhã]

Supremo

SALVO ERRO, ainda não vi gente em pranto, rasgando-se, aos saltos, por causa da intervenção do sr. presidente do Supremo Tribunal de Justiça, num dos ataques mais frontais à liberdade de imprensa. Que um trauliteiro o faça, munido dos instrumentos habituais, estamos habituados; que um presidente do Supremo Tribunal de Justiça peça um tribunal de excepção — digamos, um Tribunal Plenário — que integre a «estrutura política do Estado» (políticos nomeados pelo governo?, pelo Parlamento, pela vizinhança?) para julgar a imprensa e os jornalistas, é não apenas grave como estapafúrdio.
[FJV]