domingo, 27 de março de 2011

Sugestões

Advocacia é uma profissão perigosa, apaixonante, apaixonada e, pelo menos, ambígua no caso de maître Jacques Vergés... Um documentário que lhe permite perceber a trajectória de um defensor de pessoas e causas que parece não conhecer limites. Escreveu vários livros, entre eles o essencial "De la stratégie judiciaire" em que teoriza sobre a "defesa de ruptura", um conceito fulcral na elaboração das estratégias de defesa criminal. [FTM]

sexta-feira, 25 de março de 2011

O país de Sócrates

Imagine o leitor que o primeiro-ministro David Cameron, num dia decisivo para o futuro político e económico do Reino Unido, resolvia abandonar a Câmara dos Comuns logo no início do debate. Não por motivos de saúde; não porque alguém resolvera declarar guerra ao país; mas porque, simplesmente, tinha mais que fazer do que aturar o Parlamento. O que diria a ‘inteligência’ britânica do caso? E o que diria o cidadão comum? A pergunta é absurda porque o cenário é impensável: nenhum primeiro-ministro de um país com tradição democrática e liberal sobreviveria ao gesto. Em Portugal, pelo contrário, o gesto não é apenas normal; é, suspeita minha, compreendido e apreciado pela selvajaria dos nativos. Os mesmos que sempre tiveram pelo autoritarismo do ‘chefe’ a admiração própria dos escravos. É por isso que, depois de seis anos de abuso e ruína, é precoce decretar o óbito de quem nos enterrou vivos. José Sócrates não nasceu do nada; ele precisou de uma cultura iliberal para crescer e prosperar. E que não se apaga da noite para o dia. [JPC]
[Publicado no Correio da Manhã]

Sinal dos tempos

A demissão do primeiro-ministro levou a quase totalidade dos comentadores ao rubro – mesmo aqueles que, ainda não há muito tempo, o cobriam de elogios e dos mais improváveis sucessos.
Pelo que se vai lendo e ouvindo, dá ideia de que todos os problemas de Portugal se resolvem, num ápice, com a simples e imediata remoção do eng. Sócrates da cena política nacional. Sem ele, o país conseguiria finalmente ultrapassar as suas debilidades crónicas, sem a sua insuportável arrogância os partidos chegariam serenamente a um amplo e necessário consenso do qual resultaria obviamente uma espécie de governo de salvação nacional, onde PS, PSD, CDS e até o próprio PCP se entenderiam sobre o futuro da Pátria e as medidas necessárias para assegurar a sua ressurreição.
Como seria de esperar, este radioso cenário conta com o apoio de inúmeros patriotas, dispostos a redimir o país de seis anos de pura propaganda e de total desgoverno. Infelizmente, esta soma de boas intenções tropeça num pequeno problema que dá pelo nome de realidade.
Antes de mais, porque o eng. Sócrates já deixou claro que não está na feliz disposição de se deixar remover. E o PS, a quem caberia o heróico papel de o substituir por um qualquer Luís Amado, prepara-se para o reeleger, com o entusiasmo possível, como secretário-geral, no próximo Congresso do partido. Mas principalmente, porque até agora, não se vislumbra por parte da oposição uma alternativa credível, capaz de inverter o caminho para o abismo que se nos abriu pela frente. Pelo contrário, as declarações da srª Merkel, ontem em Bruxelas, não deixaram margem para dúvidas: para além dos elogios ao eng. Sócrates, a chancelar alemã deixou claro que seja qual for o governo em funções, Portugal vai ter de cumprir os compromissos que assumiu com Bruxelas. E o dr. Passos Coelho que, até agora, se tem refugiado no chavão das reformas estruturais, mais tarde ou mais cedo, vai ter de apresentar medidas que poderão ser ainda mais duras do que aquelas que rejeitou, esta semana, na Assembleia da República.
Nem de propósito, o dia de ontem amanheceu com a hipótese de o PSD poder aumentar o IVA para 24 e 25 por cento, depois de, no Orçamento, ter impedido que o Governo o aumentasse para 23 por cento. Sinal dos tempos! [CCS]
[Publicado no Correio da Manhã]

quarta-feira, 23 de março de 2011

Artur Agostinho (1920 - 2011)


Artur Agostinho era um castiço. Ou, como o próprio dizia, «um gajo porreiro». Entrevistei-o há dois anos, para a GQ. Reproduzo aqui a entrevista, para ler e sorrir, sobretudo nestes tempos politicamente sombrios. O Artur Agostinho conheceu-os bem e nunca os esqueceu.





Nasceu no dia de Natal. Como é disputar atenções com o Menino Jesus?

(risos) Para mim nunca houve problema. Houve sempre uma grande identidade entre mim e o Menino Jesus, fomos sempre muito cúmplices.

E as prendas? Nunca houve a tentação de juntar as duas prendas numa só?

Os meus pais tiveram sempre o cuidado de dar duas prendas em vez de uma.

Nasceu em Lisboa, em 1920. Como era uma infância em Campolide nessa altura?

Era uma vivência muito familiar, um tempo onde os vizinhos se conheciam todos uns aos outros. Podíamos deixar a porta quase aberta porque não havia problemas. Portanto, tive uma infância simpática num bairro que era característico. Cada bairro era um universo, com a sua mística, os seus clubes desportivos e recreativos, os seus grupos de amigos, era muito interessante.

E nessa idade, sonhava ser polícia ou bombeiro na idade adulta?

Comecei a ter o sonho de locutor de rádio com 9 ou 10 anos. Lembro-me quando o meu pai trouxe para casa o primeiro rádio. Foi uma festa! E eu lá ia ouvindo: a Emissora Nacional, o Rádio Clube Português e mais tarde a Rádio Renascença. Fundamentalmente ouvia as emissões infantis, do Oliveira Cosme ou do Henrique Samorano. Depois comecei a ouvir as emissões particulares de Lisboa: A Voz de Lisboa, a Rádio Graça, onde apareceu a Milú. Ouvia no Clube Português um programa humorístico que deve ter sido uns dos pioneiros do bom humor em Portugal, chamava-se «Orquestra Aldrabofona», composta por gente com muita graça. Contavam histórias, tocavam músicas e cantava. Uma emissão curiosa.

Começava então a imitar o que ouvia na rádio?

Comecei a fixar alguns dos locutores que foram para mim grandes referências. Fixei-me muito no Fernando Pessa, uma referência grande da Emissora Nacional antes de ter ido para a BBC. Gostava de ouvir o Jorge Alves - outro estilo, mais animado e de variedades. E depois havia outros, como o Bessa Leal, a Laura Rodrigues, a Maria Resende ou o João da Câmara. Eu ouvia aquelas pessoas e sonhava vir a ser como elas. Foi assim que começou.

E começou mesmo pela rádio.

Sim, o que foi também uma casualidade.

Em rádios amadoras?

Nasceu no bairro de Campolide a minha possibilidade de realizar o meu sonho de fazer rádio. Eu era sócio de um clube recreativo de Lisboa, «Campolide Atlético Clube», onde aliás fiz pela 1ª vez teatro amador.

Ainda se lembra da peça?

Não me lembro, sei que tinha mais ou menos 16 anos quando me estreei como actor. Nesses clubes, ao fim-de-semana, havia bailes; contratavam um conjunto musical e quando não havia dinheiro, os bailes eram feitos com discos. E nessa altura, sempre que se tirava um disco e se punha outro, eu ia dizendo umas “larachas” para entreter e ganhei uma certa popularidade entre aquela população de 150 pessoas. Até que um dia um dos amigos que ia ao clube veio-me dizer: “Sabes, agora sou locutor numa estação que estava na Graça e que mudou para Campolide, a Rádio Luso, e eles estão à procura de locutores e tu tens muito jeito, podias experimentar”. Eu já me tinha desinibido artisticamente e disse que iria lá e assim comecei por fazer locução 2 vezes por semana. A certa altura queriam que fosse todos os dias mas era estudante e não podia. Mas a história da rádio nessa altura é muito interessante porque eu estou a falar de 1938, 1939, ou seja, as vésperas da Segunda Guerra. E os alemães e os ingleses já na altura procuravam fazer a sua propaganda através da rádio. Através da música, as duas potências davam uma grande ajuda às estações amadoras que eram pobres, não tinham receitas, tinham os seus grupos de associados. Então ingleses ou alemães cediam discos dos seus arquivos. A rádio Luso, que estava com dificuldades financeiras, entrou no jogo dos alemães e eu, que era todo anglófilo, disse que não trabalhava mais na estação e passei para uma que dava auxílio aos ingleses, o Clube Radiofónico de Portugal. Depois tive um problema com uma pessoa de lá e fui para outra que também estava a ajudar os ingleses, a rádio Peninsular, e foi assim que a minha carreira começou, mas sempre como amador. Até que um dia fui contactado pelo director do Rádio Clube Português que me convidou para ser produtor de um programa semanal na rádio que tinha os seus estúdios na Parede e eu aceitei. Fui fazer um programa de 15 minutos semanal que era o «Músicas e Palavras». Passado algum tempo convidou-me para outro programa e fiz um excelente programa semanal que passava aos domingos, chamava-se «Cinema Sonoro», dedicado ao cinema, arte pela qual também me tinha apaixonado. Entretanto, começou a aparecer a minha vida cinematográfica com o «Capas Negras». Assim, comecei a fazer muitos programas como colaborador. Passado algum tempo o Victor Santos convidou-me para passar a fazer parte do quadro de locutores do Rádio Clube Português. Era então a minha profissionalização como locutor. Fui fazer parte de uma equipa de locutores constituída pelo Jaime Silva Pinto e pela Natália Correia, veja lá.

Deu-se bem com ela?

Muito bem. Viajávamos juntos depois da emissão no comboio. Não tínhamos automóvel. Saíamos no Cais do Sodré, depois apanhávamos um táxi, eu deixava-a na Rua da Artilharia e eu seguia para Campolide. Foi um tempo engraçado.

Chegou a conhecer o António Ferro, o chefe da propaganda salazarista?

Conheci.

E qual a impressão que tem dele?

Tinha uma excelente impressão, sem fazer análise do ponto de vista político. Mas como intelectual achei-o um homem muito interessante. Ele tinha um programa na cabeça que era tornar a Emissora Nacional popular, chegar mais ao público. Naquele tempo, entre nós, a Emissora Nacional era muito formal, tudo no estilo engravatado. O António Ferro quis transformar as emissões e fazer emissões sem gravata.

E como era conviver com a censura do regime?

A censura aos locutores passava um bocado ao lado. Porque os locutores, ao contrário de hoje, só liam as notícias, não éramos nós que fabricávamos as notícias. Portanto, as notícias eram feitas no departamento de noticiários da Emissora Nacional. Esses noticiários eram feitos com base nas agências de notícias, eles é que preparavam, corrigiam e depois havia um sector que censurava internamente, ou seja, havia duas censuras, uma da agência de notícias e outra do regime.

E o dr. Salazar, chegou a conhecê-lo?

Cumprimentei-o uma vez numa recepção que ele fez aos funcionários públicos. Pareceu-me um homem muito distante. Aliás, só me lembro de uma pessoa que me tivesse impressionado com o olhar como ele me impressionou. Um olhar gélido, frio: o Nasser, do Egipto. Isto aconteceu quando acompanhei a selecção nacional que foi jogar ao Egipto e o presidente Nasser veio receber-nos.

No entanto, acabou não apenas por fazer rádio mas quase tudo o que mexe: cinema, televisão, publicidade, jornalismo. Como é possível tocar todos estes instrumentos?

É uma questão de método.

Disciplina?

Sempre fui desarrumado mas disciplinado, ou seja, sou arrumado na minha desarrumação.

E as fãs? Numa altura em que não havia televisão, as fãs deviam apaixonar-se pela voz.

Sim, havia aquele encantamento do mistério, quem é esta voz? Isso permitia situações engraçadas. Por exemplo, apanhar o eléctrico e subitamente ouvir duas pessoas a falarem sobre mim, sem saberem que eu estava ao lado.

Nunca se meteu na conversa?

Uma vez ia em São Bento no eléctrico e vinha a ouvir uma conversa entre dois senhores. Um dizia muito bem de mim. O outro dizia mal e acrescentava que já tinha almoçado comigo muitas vezes e que me conhecia perfeitamente. Então, quando cheguei ao destino, toquei a campainha para sair e disse-lhes, ao descer: “Meus senhores, muito boa tarde, eu sou o Artur Agostinho”. (risos)

E nunca teve mulheres que queriam saber quem era a voz?

Havia muito. Escreviam muito, pediam fotografias autografadas.

E enviava?

Enviei muitas.

Chegou a ter alguma a persegui-lo?

(risos) Vale a pena abrir esse capítulo?

Esse é o capítulo interessante!

Há mulheres que se sentem apaixonadas pelos actores, mas no fundo não o estão. Estão apaixonadas pela imagem que criaram deles, pela fantasia.

Chegou-lhe a acontecer isso?

Claro, recebia muitas cartas de amor.

E nunca conheceu nenhuma dessas fãs?

Não. Sempre fui defensor de manter esse mistério.

Olhando para trás, qual foi a sua maior desilusão ou mágoa?

A minha maior desilusão foi na altura do 25 de Abril quando as pessoas tentaram colar-me ao regime político porque eu trabalhava na Emissora Nacional. A mágoa foi a incompreensão das pessoas, umas por ingenuidade, outras por influência de terceiros. Enfim, a Amália costumava-me dizer muitas vezes, entre as conversas nos intervalos dos espectáculos: “Sabes, houve muita gente que me ajudou a subir na minha carreira artística. Mas quando cheguei ao topo, essas mesmas pessoas começaram a pensar na melhor forma de me deitarem abaixo.” E isto é completamente verdade. Portanto, com a revolução conotaram-me com a PIDE. Como não conseguiram transformar essa mentira em verdade, aproveitaram mais tarde para me prenderem de madrugada com a acusação de que eu fazia parte de uma associação de malfeitores. Depois ainda houve outras histórias, uma das quais envolvia a minha pessoa, vestida de padre num carro funerário, com um caixão cheio de armas... (risos). Surreal! Então fizeram uma reunião plenária no “Record”, houve uma moção de confiança, apareceu um sujeito a contar essa história do carro funerário e eu passei a traidor, etc., etc. Foi assim que acabou a minha direcção de 12 anos no “Record”.

Sabe quem foram os cabecilhas dessas infâmias?

Sei. Mas não posso dizer os nomes. Decidi não dar qualquer importância a essas pessoas. Muitos deles vieram mais tarde pedir-me perdão. Disse-lhes que estavam perdoados mas que não esquecia.

Voltando às boas memórias, como era Amália Rodrigues?

Uma grande artista, uma excelente companheira. Com muito bom humor, tinha muita graça, contava histórias maravilhosas. Mas também era uma mulher insegura, muito insegura, com medo. Medo da morte, das doenças, de deixar de agradar às pessoas, de cantar mal, medos que ela vencia de uma maneira espectacular quando começava a actuar.

E Portugal no Mundial de 1966: memórias?

Estávamos na década de ouro do futebol português. Tive a felicidade de viver uma época realmente extraordinária do nosso futebol. O primeiro indício de excelência foi numa excursão do Benfica ao Brasil. Logo a seguir o Benfica entrou a ganhar duas Taças dos Campeões Europeus no começo dos anos 60. Em 1964, o Sporting ganha a Taça das Taças, outro feito brilhante. E em 66 a Selecção foi ao Mundial. Não se pode desejar melhor.

E em termos comparativos: Eusébio ou Cristiano Ronaldo?

Não pode haver comparações nenhumas. Recuso-me a comparar jogadores de épocas diferentes, com futebol e estratégias diferentes, com condições de terreno diferentes, com bolas diferentes, com tratamentos médicos aos jogadores diferentes, com alimentação e vida social diferentes. Tudo isso pesa e não se pode comparar.

Então comparemos jogadores da mesma época: Pelé ou Eusébio?

Para os portugueses, Eusébio. (risos) Mas, realmente, Eusébio era mais completo. O Pelé foi um extraordinário mágico da bola, com uma capacidade de oportunidade e de esforço, ele “cheirava” o sítio certo onde estar. O Eusébio era mais genuíno, mais humilde. Mas ambos eram grandes jogadores.

E hoje? Está descontente com a Selecção Nacional do prof. Queirós?

Estou triste porque temos jogadores com muito talento, mas a equipa não funciona. Uma equipa de futebol não é um grupo de talentos, é uma equipa, um colectivo. O prof. Carlos Queirós conhece e sabe muito de futebol, mas parece-me que tem algumas incertezas, algumas dúvidas quando está sentado no banco.

Finalmente, vamos ao cinema. Que impacto teve o facto da voz da rádio ter aparecido nas telas? Ou seja, estou a falar, novamente, de mulheres.

Foi um impacto altamente positivo. Fiz «Capas Negras» e, como sabe, era um galã estudante, malandreco, pouco sério, interessado em sacar umas coisas, uns dinheiros para a sua República. Depois, no «Leão da Estrela», era um galã de outro tipo, um bocadinho mais sofisticado. Mas penso, apesar de tudo, que as pessoas nunca me viram como galã. Antes como um animador, um homem divertido.

A Laura Alves, sua parceira sentimental no «Leão da Estrela», era uma mulher muito bonita.

Muito bonita. Era uma grande actriz, uma grande mulher, uma grande companheira e as pessoas admiravam-na muito.

E o Artur Agostinho era uma pessoa namoradeira ou nem por isso?

Não, nem por isso. Eu era um obcecado pela profissão, um fanático do trabalho. Tive a sorte de poder trabalhar naquilo que gosto e isso nem sempre acontece. É um milagre e fiz as coisas com paixão, de tal forma que para mim não havia horários de trabalho, nem férias, isso não significava nada. Era capaz de pedir para faltar 2 ou 3 dias para ir a qualquer lado divertir-me, mas também se fosse necessário trabalhar 48 horas seguidas, lá estava eu.

Ainda hoje vê cinema português?

Tenho visto muito menos. Mas ainda vejo.

Manoel de Oliveira?

Vejo por uma questão de obrigação e respeito. Um homem que chega aos 100 anos a fazer cinema, enfim, posso não concordar com algumas fórmulas cinematográficas que ele utiliza, menos dinâmicas, menos ritmadas, mas tenho um grande respeito e admiração por ele.

E se ele o convidasse para um filme?

Com certeza que aceitava. Era uma honra para mim.

Como é que vê o Portugal de hoje?

Com uma grande preocupação quanto ao futuro desta geração e das próximas. Portugal realmente vai ter uma vida complicada. Eu vivi no Brasil seis anos, a gente sabia que era uma bagunça, mas é também um país que tem riquezas naturais. O que é que Portugal tem? A riqueza que poderá ter está nas suas pessoas e na formação delas. E a formação que eu vejo da juventude, dos estudantes, não é uma formação capaz de lhes dar força, condições e ferramentas para o futuro. Receio muito por esta geração. Eu, que sou um optimista, vejo tudo isto com muita preocupação. E aqueles que chegaram nesta altura aos 30 e tal, 40 anos e que deixam de ter a possibilidade de trabalhar, vão fazer o quê? Isto numa época em que a primeira coisa que perguntam não é o que o outro sabe fazer, mas quantos anos tem. Um disparate, claro, porque a idade é sempre relativa: eu conheço pessoas de 30 anos que são velhas e conheço homens, como o nosso realizador Manoel de Oliveira, que é jovem na cabeça.

E o Artur, que idade tem?

Tenho 87 anos.

Eu não me referia a essa idade. Referia-me à outra.

Talvez 45 ou 50 anos. (risos)

Como é a sua vida hoje?

Muito simples e fácil. Ainda faço coisas para a televisão, mas tento adequar o papel. Há 8-10 anos tive de meter a gravata diariamente durante quase dois anos na «Ana e os Sete», rodar todos os dias, incluindo aos sábados. Ia para o estúdio às 8h, saía às 20h e levava o papel para estudar para a manhã seguinte. Hoje já não posso fazer isso, é muito violento. Além disso, escrevo para o “Record”, distraio-me um bocado na internet, faço mais companhia à família do que fazia, dou as minhas voltas, vou ver um ou outro espectáculo, vou almoçar fora com a minha mulher. E depois tenho a escrita, que ajuda muito a preencher o tempo.

E como gostaria de ser lembrado?

Como um gajo porreiro! (risos)





[JPC, na GQ, Janeiro de 2009]

domingo, 20 de março de 2011

Sugestões














1. O disco de Luisa Sobral "The Cherry on My Cake" é uma simpática alegria e companhia. Uma voz bonita e divertida em canções muito variadas, algumas em português, a maior parte em inglês. Esteve lá fora, estudou e vem cheia de coisas boas. Não hesite: compre e ouça !

2. No nosso país, graças ao fundamentalismo de alguns e à inércia de muitos, continuamos a não poder decidir da nossa morte e a ficar à mercê do bom senso ou da falta de senso dos médicos que nos estiverem a acompanhar. A legislação sobre o Testamento Vital ou a Directiva Antecipada arrasta-se no nosso Parlamento mas se quiser perceber o que está em jogo, o que pode fazer e, sobretudo, esclarecer-se sobre estas questões tão importantes, não pode deixar de ler o livro "Testamento Vital - O que é ? Como elaborá-lo ?" da autoria de Laura Ferreira dos Santos, uma das pessoas que mais sabe sobre o assunto (Sextante Editora).

[FTM]

segunda-feira, 14 de março de 2011

A continuação...

O porta-voz do Departamento de Estado, J.P. Crowley demitiu-se ontem.

[FTM]

domingo, 13 de março de 2011

Obama v. Obama ?


Bradley Manning é o soldado americano que foi preso em Maio de 2010, no Iraque, suspeito de ter passado à Wikileaks uma imensidão de documentos classificados, entre eles os famosos telegramas diplomáticos que, quanto ao nosso país, tão bem retratam a miséria (cultural) nacional, em especial, na compra do equipamento militar.
Os EUA ainda não conseguiram apanhar Julien Assange e acabar com a Wikileaks (1.ª Emenda "oblige" e a web não facilita) embora não desistam de o fazer. Uma das formas possíveis de o incriminar seria provar que tinha sido ele quem teria aliciado o jovem soldado a desviar a documentação em causa. Para levar Bradley Manning a confessar essa conveniente verdade, a estratégia tem sido, em violação da lei, a manutenção de Bradley Manning em condições prisionais extremamente duras, em isolamento total e só com direito a uma hora por dia fora da cela. Recentemente, na sequência de queixas apresentadas por Manning quanto à sua situação, passou a ter de obrigatoriamente despir-se todas as noites, dormindo nu, segundo as autoridades militares para evitar o seu suicídio...
Mas Crowley, porta-voz de Hillary Clinton, veio agora dizer, num seminário do MIT em Boston, que Bradley Manning estava ser maltratado pelas autoridades militares, afirmando expressamente que o que lhe está a ser feito "... é ridículo e contraprodutivo e estúpido da parte do ministério da Defesa".
Obama já veio, pelo seu lado, dizer que as autoridades militares lhe confirmaram que estão a ser respeitados os "basic standards"ao mesmo tempo que as Nações Unidas investigam se estão perante um caso de tortura... (T0 be continued)
[FTM]

Ora aí está

Interrogado sobre a manifestação da «geração à rasca» (uma designação pérfida), o primeiro-ministro respondeu que compreendia bem os «problemas dos jovens» (o que é já todo um programa) e que, por isso, tinha aprovado leis como a da paridade, a do divórcio litigioso, a do casamento entre pessoas do mesmo sexo ou a da interrupção voluntária da gravidez. «É assim que se constrói uma política de modernidade e uma política para o futuro», concluiu.
[FJV]

Inevitabilidade

«As pessoas» habituam-se facilmente às inevitabilidades. Por exemplo, a inevitabilidade da União Europeia como ela é gerida hoje; à inevitabilidade de não discutir, debater e votar os tratados sucessivamente assinados em nosso nome (como se sabe, recordem bem e não se esqueçam, porque não estávamos preparados para discutir coisas tão complexas); à inevitabilidade de todas as medidas impostas a partir da União (desde, e não estou a rir, a distância entre os dentes dos garfos, a taxa de gordura dos queijos, o tamanho e forma dos legumes — até aos cortes nas reformas, às reformas das leis laborais, etc.); à inevitabilidade dos orçamentos de Estado que era necessário aprovar, caso contrário seria a catástrofe; desde há um ano, à inevitabilidade de todas as medidas de austeridade que visam tapar buracos gerados por anos e anos de despesas indiscriminadas para «construir uma política de modernidade»; à inevitabilidade dos conluios entre o governo e as grandes empresas amigas, mesmo que isso significasse esmagar os cidadãos; à inevitabilidade de todos os sacrifícios nas «políticas sociais»; à inevitabilidade nas curvas e contracurvas da propaganda, «porque todos fazem o mesmo»; à inevitabilidade da «engenharia social» na educação ou na política de família; à inevitabilidade do governo «porque todos fariam o mesmo». Isto conduziu à anestesia geral, à indiferença, à autorização daquela bonomia feliz com que se anunciam «sacrifícios colectivos» sem discussão prévia, à contemplação embevecida de todos os «porreiro, pá», ao adormecimento da própria consciência cívica que encolhe os ombros quando um acto eleitoral está manchado por erros e boicotes óbvios. «As pessoas» tornaram-se indiferentes, autorizam tudo, acham tudo «normal», pensam que tudo é banal. Quando tudo é banal, nada é banal — tudo pode ser uma catástrofe subterrânea.
[FJV]

sábado, 12 de março de 2011

Sugestões

















Eu sei que é desagradável a actual designação do Centro Cultural de Belém, em Lisboa, mas esqueça esse pormenor porque vale mesmo a pena ir ver as 3 exposições que estão por lá. A "Mappamundi" é uma festa para os olhos e para a mente, com inúmeros desafios (feitos por cerca de 50 artistas) às nossas ideias do que é um mapa. A "Tinta nos Nervos" é uma viagem sobre a banda desenhada portuguesa com representação de 41 artistas. Por último, "Observadores – Revelações, Trânsitos e Distâncias " é uma exposição que parte da colecção do museu para evidenciar "a relação triangular entre a obra de arte, o artista e o espectador". Para além do prazer que pode retirar da visita a qualquer das exposições, têm todas outra vantagem: são gratuitas. Não hesite: vá !
[FTM]

quarta-feira, 9 de março de 2011

«Mamãe eu quero»



«São uns corpos de branquelas enregeladas, à espera das dietas de abril e maio. E uns trejeitos pelintras de quem imagina o sambódromo como uma dependência de um baile de bombeiros. E um frio tremendo a bafejar os 'foliões' que vão para a rua ver passar desfiles de maltrapilhos. E uns machões de ‘tule & serpentina’ mascarados de meretrizes. E umas senhoras a gritar 'mamãe eu quero'. E uns carros alegóricos com o nariz de José Sócrates, disfarçados em cima de tratores enlameados. E uma imitação de alegria que a chuva arreda para o meio da tarde. E umas atrizes de novela à espera que tudo acabe para poderem arrecadar o modesto cheque. E neve no alto das serras, transformada em lama nas ruas cá em baixo. O 'carnaval lusitano' é um dos nossos pequenos horrores periódicos.»

Sugestões


«Company é uma peça sobre o casamento. Ou, como diria Musil, é uma peça sobre os homens sem qualidades: capazes de habitar o mundo moderno sem estabelecer nenhuma ligação substancial com os seus semelhantes.»

[JPC, na Folha, a 9/5/2007]

terça-feira, 1 de março de 2011

Moacyr Scliar (1933 - 2011)



«De Moacyr (1933-2011), os primeiros livros que li foram O Exército de um Homem Só e O Centauro no Jardim, momentos centrais de uma obra de interrogações e perplexidades. A Mulher Que Escreveu a Bíblia é um desses livros, tal como A Majestade do Xingu, uma história da emigração de judeus russos para o Brasil. O seu mundo era esse: o de Porto Alegre, a sua cidade transformada em catalisadora da sua memória judaica, da gente humilde que fugira da velha Rússia ou do comunismo. Lembro a sua casa, cheia de livros; escrevia em todo o lado, a toda a hora, sempre com um livro 'para terminar'. Ficámos amigos por causa de A Condição Judaica, um pequeno livro que mostrava o Moacyr simples, com o seu gosto pela beleza ética do judaísmo. Um adeus para Moacyr não basta.»

[FJV, no Correio da Manhã]

«Depois da farsa»



«Sócrates vai a Berlim na quarta-feira. Para receber elogios de Merkel? Seja. Mas este filme não altera o guião original: uma economia em recessão, uma despesa sem controlo e juros que nos esmagam sem piedade.
Perante este cenário, que podemos esperar a médio prazo? Não, obviamente, o que Sócrates espera: que o fundo europeu possa comprar dívida; ou, então, que venha um empréstimo sem o FMI. No horizonte, estão dois cenários funestos.
O primeiro cenário é, vergados pelos juros e com o BCE a fechar a torneira, termos um pacote semelhante ao da Irlanda e da Grécia, o que significará que o governo falhou. O segundo é a sra. Merkel dar ouvidos aos economistas alemães e entender, não sem alguma razão, que não vale a pena aplicar a terapia grega e irlandesa a Portugal quando essa terapia não estanca contágios (antes pelo contrário) e destrói a capacidade de recuperação económica dos resgatados. A solução será reestruturar a dívida e aceitar a falência: do governo e do país.
Na quarta, Merkel consola Sócrates. Uma caridosa farsa. Seria mais útil que se fosse despedindo dele.

[JPC, no Correio da Manhã]