domingo, 13 de março de 2011

Inevitabilidade

«As pessoas» habituam-se facilmente às inevitabilidades. Por exemplo, a inevitabilidade da União Europeia como ela é gerida hoje; à inevitabilidade de não discutir, debater e votar os tratados sucessivamente assinados em nosso nome (como se sabe, recordem bem e não se esqueçam, porque não estávamos preparados para discutir coisas tão complexas); à inevitabilidade de todas as medidas impostas a partir da União (desde, e não estou a rir, a distância entre os dentes dos garfos, a taxa de gordura dos queijos, o tamanho e forma dos legumes — até aos cortes nas reformas, às reformas das leis laborais, etc.); à inevitabilidade dos orçamentos de Estado que era necessário aprovar, caso contrário seria a catástrofe; desde há um ano, à inevitabilidade de todas as medidas de austeridade que visam tapar buracos gerados por anos e anos de despesas indiscriminadas para «construir uma política de modernidade»; à inevitabilidade dos conluios entre o governo e as grandes empresas amigas, mesmo que isso significasse esmagar os cidadãos; à inevitabilidade de todos os sacrifícios nas «políticas sociais»; à inevitabilidade nas curvas e contracurvas da propaganda, «porque todos fazem o mesmo»; à inevitabilidade da «engenharia social» na educação ou na política de família; à inevitabilidade do governo «porque todos fariam o mesmo». Isto conduziu à anestesia geral, à indiferença, à autorização daquela bonomia feliz com que se anunciam «sacrifícios colectivos» sem discussão prévia, à contemplação embevecida de todos os «porreiro, pá», ao adormecimento da própria consciência cívica que encolhe os ombros quando um acto eleitoral está manchado por erros e boicotes óbvios. «As pessoas» tornaram-se indiferentes, autorizam tudo, acham tudo «normal», pensam que tudo é banal. Quando tudo é banal, nada é banal — tudo pode ser uma catástrofe subterrânea.
[FJV]

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