terça-feira, 27 de setembro de 2011

Ponto final






E pronto, é oficial: o A Torto e a Direito despede-se da TVI-24. Foram dois anos de conversas, polémicas, sugestões. Um duplo obrigado: aos que viram o programa e aos que vieram ao programa.






segunda-feira, 11 de julho de 2011

«Pedras duras»

«A maléfica Moody’s não acredita que os portugueses sejam capazes de mudar de vida. Uma coisa é lançar impostos para tapar buracos. Outra é cortar na despesa (e no desperdício) da Saúde, das empresas públicas – e, claro, das regiões e das autarquias.
Infelizmente, o governo que se indigna com a Moody’s é o mesmo que parece disposto a dar-lhe razão. Não apenas ao carregar nos impostos como todos os governos anteriores – o subsídio de Natal, o IVA, o IMI, os automóveis, etc. Mas ao chutar para a estratosfera as medidas difíceis que aliviariam o assalto corrente aos contribuintes. A privatização da RTP é apenas um caso (adiado). A redução do número de autarquias é outro caso (adiado). Quando atinge pedra dura, o governo pára de cavar. Até quando?
Dois meses, não mais. Se, depois do Verão, o Estado não entrar em dieta profunda, o melhor é atirar a toalha. Não vale a pena pedir sacrifícios quando no barco só existe um otário a remar.»

[JPC, no Correio da Manhã]

terça-feira, 5 de julho de 2011

Boa sorte, Francisco!



E pronto: o A Torto e a Direito já forneceu um Secretário de Estado ao novo Governo. Francisco José Viegas, um dos fundadores do programa, despediu-se na última edição. Tudo com o alto patrocínio do Menino Jesus da Cartolinha. Para ver, aqui. [ E boa sorte, Francisco! ]

domingo, 19 de junho de 2011

Sugestões





















A morte é algo de, naturalmente, fascinante. Embora muitas vezes ocultada e afastada das conversas quotidianas, é quase sempre um tema que nos permite reflexões consistentes.
Michel Schneider no seu livro "Mortes Imaginárias" recria (parte realidade, parte ficção) as mortes de 36 autores que vão desde Pascal, Kant e Flaubert a Freud, Nabokov e Capote. De uma enorme erudição e criatividade, recomendam-se estas historinhas cheias de vida.
Pelo seu lado, Diego Palacios Cerezales com o seu livro "Protesto Popular e Ordem Pública no século XIX e XX" conta-nos, com muito pormenor e conhecimentos, a história do uso da força pelo Estado ao controlar e reprimir as manifestações públicas colectivas neste largo período.
Um tema cheio de actualidade e uma leitura que, igualmente, se recomenda.

[FTM]

segunda-feira, 30 de maio de 2011

Sugestões

«Um dos fenómenos mais notáveis da edição corrente encontra-se na quantidade de livros de história nacional que, libertos de vulgatas ideológicas, procuram simplesmente entender e explicar o que fomos – e somos. Este O Século XX Português é um exemplo superlativo de rigor, concisão e inteligência.»

[JPC, no Correio da Manhã]

«O alvo errado»

«Por razões inexplicáveis, o PSD, que tinha ganho um novo alento depois do debate entre o engº Sócrates e o dr. Passos Coelho, decidiu fazer do CDS o seu adversário principal. Desde que começou a campanha, não há um dia que não se faça ouvir a voz de um qualquer notável social-democrata a zurzir contra a irrelevância do voto no seu hipotético parceiro de coligação. Não é que não seja legítimo apelar ao "voto útil" para promover o resultado eleitoral do PSD. Como é legítimo que o CDS queira apresentar um caminho próprio que não faça do partido a eterna "muleta" do PSD. O que se estranha, sim, é que um partido que apela à maioria absoluta considere que o seu potencial de crescimento se encontra à sua direita, no CDS, e não à sua esquerda, no PS, onde os seis anos de governação do engº Sócrates deviam garantir, à partida, um mar de eleitorado seduzido pela mudança. Assim, a ideia que passa é que o PSD desistiu de conquistar votos ao PS, preferindo antes acenar aos eleitores do CDS, numa clara demonstração de fraqueza, que beneficia, obviamente, o engº Sócrates.
Quanto mais o dr. Passos Coelho insiste em que o CDS tem de clarificar a sua posição em relação ao PS, mais à vontade o PS se sente para acusar o "radicalismo" de uma coligação que, ainda por cima, não se entende. Infelizmente, este apelo ao voto útil tem sido acompanhado, aqui e ali, por ataques de carácter ao líder do CDS. Quando o autarca do PSD das Caldas da Rainha se apresenta, em campanha, com a velha e batida história dos submarinos ou dispara contra o caso dos sobreiros, ainda houve, com alguma benevolência, quem registasse que o dr. Passos Coelho lhe tinha tirado o microfone. Mas quando, horas depois, o dr. Menezes, distinto apoiante da actual direcção do PSD, volta ao tema para insinuar que o dr. Portas tem as "mãos sujas" com negócios pouco claros, o caso muda ligeiramente de figura.
É esta obsessão com o CDS que levou ontem o dr. Passos Coelho a admitir um novo referendo sobre o aborto para entrar no eleitorado conservador. Como se viu pela sucessão de desmentidos e interpretações, não só não ganhou nada com a habilidade como conseguiu dar de mão beijada um trunfo inexplicável ao engº Sócrates. Convém que, nesta recta final da campanha, o PSD, natural vencedor das próximas eleições, corrija o tiro e defina melhor a sua ordem de adversários. Mas, pelo que se vai vendo, o PSD parece estar a fazer tudo o que pode para conseguir perder estas eleições.»

[CCS, no Correio da Manhã]

domingo, 29 de maio de 2011

Sugestões




















Ler um bom livro e ouvir boa música são dois prazeres que nos dão sentido à vida. No caso da "História da Vida Privada em Portugal" tem um livro em que pode ler mais de uma dúzia de textos/ensaios, de diversos autores, com temas como "A Casa", A Família", A Festa", " A Alimentação", "A Criança" ou "A Sexualidade". Claro que a vida privada naqueles tempos, era outra coisa.
No caso do disco "You taste like a song" do Júlio Resende Trio pode ouvir excelentes composições de um trio de jazz cheio de ritmo e criatividade. E saboroso, claro.
Aconselho, ainda, um blog com músicas boas. Pode ser que goste de algumas...
http://1musicaparacadadia.blogspot.com/
[FTM]

domingo, 15 de maio de 2011

Sugestões


Está cheio de sorte. Pode mesmo dizer que é um privilegiado: Domingo, 15 de Maio, se ainda houver bilhetes, pode ver um dos espectáculos mais alegres e bonitos dos últimos tempos no Centro Cultural de Belém: "Le Carnaval et la Folie" uma ópera do início do século XVIII com música antiga de um enorme modernismo e com cantores, instrumentistas e bailarinos absolutamente fantásticos. Ana Quintans, João Fernandes, Pedro Ramos e Catarina Câmara são alguns dos excelsos nomes de um espectáculo que não devia perder. Mas se não conseguir no dia 15, no dia 20, igualmente do mês de Maria, à noite tem uma outra ópera, "La Spinalba" no Teatro Municipal de Almada. Em Portugal, apesar da penúria que vivemos, fazem-se coisas muito boas e há artistas com imensa qualidade. Não hesite. Desloque-se e divirta-se.
[FTM]

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Sugestões




«'Não basta interpretar o mundo, é necessário transformá-lo', afirmava Karl Marx. Rob Riemen revisita o mandamento e, com a sua Nobreza de Espírito, reformula-o: 'Não basta interpretar o mundo, nem sequer transformá-lo; antes de começarmos pelo mundo, devemos começar por nós'.»

[JPC, no Correio da Manhã]

sábado, 30 de abril de 2011

Sugestões

Robert Walser nasceu em 1878 e morreu em 1956. Durante a sua peregrinação existencial trabalhou em Biel, Basileia, Estugarda, Zurique como empregado aí publicando poemas e pequenos contos. Depois, foi criado no castelo de Dambrau, passando a escrever sobre o tema da criadagem.
Segundo, nos informa ainda a Cotovia, editora desta sua obra em português, durante a 1.ª Guerra Mundial trabalhou em Zurique nos arquivos públicos, tendo começado a desenvolver distúrbios mentais e sendo internado numa clínica psiquiátrica em Hersau, "onde continuou a escrever até à morte".
Este livrinho debruça-se sobre diversas pinturas, umas mais conhecidas que outras, que Walser, ora descreve, ora fantasia, imaginando diálogos entre os personagens ou meramente divaga. O livro reproduz com muito razoável qualidade as obras, o que nos permite acompanhá-lo sem esforço. Aconselhável para ir lendo historinha a historinha, uma, duas por dia ao deitar...
[FTM]

segunda-feira, 25 de abril de 2011

Sugestões

"Portugal - Um Retrato Ambiental" é um DVD que nos traz os programas sobre o ambiente , realizados por Francisco Manso e que foram transmitidos pela RTP 1, com o rigor, a seriedade, a ironia e a sabedoria que caracterizam o trabalho de Luisa Schmidt. Com base em muito material de arquivo e muita recolha documental actual, este DVD, organizado em 4 episódios - País de Contrastes, Das Catástrofes às Fontes de Energia, As Águas e Paisagem e Ordenamento - mostra-nos o país que fomos e somos e interroga-nos sobre o país que queremos ser.
O nosso património ambiental é um valor seguro que importa preservar neste tempo de crise.

Lawrence Block e a Colecção "Gato Preto" da editora Cotovia fizeram-me regressar, nesta Páscoa, aos policiais. O ex-polícia e detective sem licença Matthew Scudder, alcoólico em recuperação, é um excelente personagem muito recomendável e que vale a pena acompanhar em narrativas cheias de criatividade. Uma diletância consistente...
[FTM]

segunda-feira, 4 de abril de 2011

«Mudar de Vida»



«Nos tempos que correm, não deixo de ter a maior simpatia por todos os patriotas que clamam, em tom apocalíptico, por um governo de salvação nacional que aglutinaria a fina-flor do regime, engalanada pelos independentes do costume. Infelizmente, além das difíceis negociações que se antecipam, este radioso cenário exige uma condição prévia: que o PSD se entenda com… o PSD.

Bem sei que o partido deu, esta semana, um passo largo nesse sentido, aprovando por unanimidade, no seu Conselho Nacional, um Programa de Governo que prima pela vacuidade e por uma mão cheia de lugares-comuns.

A bem do pluralismo interno, ainda houve um conselheiro que conseguiu abster-se – talvez porque não concorde com a "racionalização" do sector público ou com a necessidade de uma Justiça mais "célere e independente". Tudo é possível! O pior é que o PSD ameaça apresentar, lá para finais de Abril, um programa mais pormenorizado, recheado de medidas inevitáveis e de soluções concretas. E aí, pelo que se tem visto, o entendimento evapora-se. As últimas semanas têm sido demasiado elucidativas.

Passos Coelho fala de um aumento de impostos, nomeadamente do IVA? A doutrina divide-se: um vice-presidente do partido diz que nem pensar, o responsável por um gabinete de estudo qualquer prefere cortar no décimo terceiro mês, uma série de notáveis aponta para o risco da recessão, um outro critica a incoerência do partido e outro ainda defende que as medidas não devem ser apresentadas aos bochechos. Perante a balbúrdia reinante, Passos Coelho diz que foi mal interpretado, deixa cair o assunto e, para sossegar os mercados, opta pela imprensa internacional, onde garante que chumbou o PEC 4 porque as medidas anunciadas ficavam aquém do que seria desejável.

Remando no mesmo sentido, Paulo Rangel decidiu informar o país de que a senhora Merkel iria "respirar de alívio" quando visse o PSD instalado no Governo – o que, tendo em conta os estados de alma da dita, não augura nada de bom. Obviamente, o PSD esqueceu-se de que tinha anunciado, na Assembleia, que chumbava o PEC 4 porque havia limites para os sacrifícios dos portugueses. Como se tudo isto não bastasse, o partido ainda se deu ao luxo de acabar com a avaliação dos professores – o que atesta o grau de reformismo que se vive por aquelas bandas. E, por último, saiu um livrinho sobre "um homem invulgar" que, segundo a autora, é tratado pelos seus pares por "o Obama de Massamá". Espero que o PSD, até às eleições, ainda vá a tempo de mudar de vida. Porque pior do que isto é impossível.»


domingo, 27 de março de 2011

Sugestões

Advocacia é uma profissão perigosa, apaixonante, apaixonada e, pelo menos, ambígua no caso de maître Jacques Vergés... Um documentário que lhe permite perceber a trajectória de um defensor de pessoas e causas que parece não conhecer limites. Escreveu vários livros, entre eles o essencial "De la stratégie judiciaire" em que teoriza sobre a "defesa de ruptura", um conceito fulcral na elaboração das estratégias de defesa criminal. [FTM]

sexta-feira, 25 de março de 2011

O país de Sócrates

Imagine o leitor que o primeiro-ministro David Cameron, num dia decisivo para o futuro político e económico do Reino Unido, resolvia abandonar a Câmara dos Comuns logo no início do debate. Não por motivos de saúde; não porque alguém resolvera declarar guerra ao país; mas porque, simplesmente, tinha mais que fazer do que aturar o Parlamento. O que diria a ‘inteligência’ britânica do caso? E o que diria o cidadão comum? A pergunta é absurda porque o cenário é impensável: nenhum primeiro-ministro de um país com tradição democrática e liberal sobreviveria ao gesto. Em Portugal, pelo contrário, o gesto não é apenas normal; é, suspeita minha, compreendido e apreciado pela selvajaria dos nativos. Os mesmos que sempre tiveram pelo autoritarismo do ‘chefe’ a admiração própria dos escravos. É por isso que, depois de seis anos de abuso e ruína, é precoce decretar o óbito de quem nos enterrou vivos. José Sócrates não nasceu do nada; ele precisou de uma cultura iliberal para crescer e prosperar. E que não se apaga da noite para o dia. [JPC]
[Publicado no Correio da Manhã]

Sinal dos tempos

A demissão do primeiro-ministro levou a quase totalidade dos comentadores ao rubro – mesmo aqueles que, ainda não há muito tempo, o cobriam de elogios e dos mais improváveis sucessos.
Pelo que se vai lendo e ouvindo, dá ideia de que todos os problemas de Portugal se resolvem, num ápice, com a simples e imediata remoção do eng. Sócrates da cena política nacional. Sem ele, o país conseguiria finalmente ultrapassar as suas debilidades crónicas, sem a sua insuportável arrogância os partidos chegariam serenamente a um amplo e necessário consenso do qual resultaria obviamente uma espécie de governo de salvação nacional, onde PS, PSD, CDS e até o próprio PCP se entenderiam sobre o futuro da Pátria e as medidas necessárias para assegurar a sua ressurreição.
Como seria de esperar, este radioso cenário conta com o apoio de inúmeros patriotas, dispostos a redimir o país de seis anos de pura propaganda e de total desgoverno. Infelizmente, esta soma de boas intenções tropeça num pequeno problema que dá pelo nome de realidade.
Antes de mais, porque o eng. Sócrates já deixou claro que não está na feliz disposição de se deixar remover. E o PS, a quem caberia o heróico papel de o substituir por um qualquer Luís Amado, prepara-se para o reeleger, com o entusiasmo possível, como secretário-geral, no próximo Congresso do partido. Mas principalmente, porque até agora, não se vislumbra por parte da oposição uma alternativa credível, capaz de inverter o caminho para o abismo que se nos abriu pela frente. Pelo contrário, as declarações da srª Merkel, ontem em Bruxelas, não deixaram margem para dúvidas: para além dos elogios ao eng. Sócrates, a chancelar alemã deixou claro que seja qual for o governo em funções, Portugal vai ter de cumprir os compromissos que assumiu com Bruxelas. E o dr. Passos Coelho que, até agora, se tem refugiado no chavão das reformas estruturais, mais tarde ou mais cedo, vai ter de apresentar medidas que poderão ser ainda mais duras do que aquelas que rejeitou, esta semana, na Assembleia da República.
Nem de propósito, o dia de ontem amanheceu com a hipótese de o PSD poder aumentar o IVA para 24 e 25 por cento, depois de, no Orçamento, ter impedido que o Governo o aumentasse para 23 por cento. Sinal dos tempos! [CCS]
[Publicado no Correio da Manhã]

quarta-feira, 23 de março de 2011

Artur Agostinho (1920 - 2011)


Artur Agostinho era um castiço. Ou, como o próprio dizia, «um gajo porreiro». Entrevistei-o há dois anos, para a GQ. Reproduzo aqui a entrevista, para ler e sorrir, sobretudo nestes tempos politicamente sombrios. O Artur Agostinho conheceu-os bem e nunca os esqueceu.





Nasceu no dia de Natal. Como é disputar atenções com o Menino Jesus?

(risos) Para mim nunca houve problema. Houve sempre uma grande identidade entre mim e o Menino Jesus, fomos sempre muito cúmplices.

E as prendas? Nunca houve a tentação de juntar as duas prendas numa só?

Os meus pais tiveram sempre o cuidado de dar duas prendas em vez de uma.

Nasceu em Lisboa, em 1920. Como era uma infância em Campolide nessa altura?

Era uma vivência muito familiar, um tempo onde os vizinhos se conheciam todos uns aos outros. Podíamos deixar a porta quase aberta porque não havia problemas. Portanto, tive uma infância simpática num bairro que era característico. Cada bairro era um universo, com a sua mística, os seus clubes desportivos e recreativos, os seus grupos de amigos, era muito interessante.

E nessa idade, sonhava ser polícia ou bombeiro na idade adulta?

Comecei a ter o sonho de locutor de rádio com 9 ou 10 anos. Lembro-me quando o meu pai trouxe para casa o primeiro rádio. Foi uma festa! E eu lá ia ouvindo: a Emissora Nacional, o Rádio Clube Português e mais tarde a Rádio Renascença. Fundamentalmente ouvia as emissões infantis, do Oliveira Cosme ou do Henrique Samorano. Depois comecei a ouvir as emissões particulares de Lisboa: A Voz de Lisboa, a Rádio Graça, onde apareceu a Milú. Ouvia no Clube Português um programa humorístico que deve ter sido uns dos pioneiros do bom humor em Portugal, chamava-se «Orquestra Aldrabofona», composta por gente com muita graça. Contavam histórias, tocavam músicas e cantava. Uma emissão curiosa.

Começava então a imitar o que ouvia na rádio?

Comecei a fixar alguns dos locutores que foram para mim grandes referências. Fixei-me muito no Fernando Pessa, uma referência grande da Emissora Nacional antes de ter ido para a BBC. Gostava de ouvir o Jorge Alves - outro estilo, mais animado e de variedades. E depois havia outros, como o Bessa Leal, a Laura Rodrigues, a Maria Resende ou o João da Câmara. Eu ouvia aquelas pessoas e sonhava vir a ser como elas. Foi assim que começou.

E começou mesmo pela rádio.

Sim, o que foi também uma casualidade.

Em rádios amadoras?

Nasceu no bairro de Campolide a minha possibilidade de realizar o meu sonho de fazer rádio. Eu era sócio de um clube recreativo de Lisboa, «Campolide Atlético Clube», onde aliás fiz pela 1ª vez teatro amador.

Ainda se lembra da peça?

Não me lembro, sei que tinha mais ou menos 16 anos quando me estreei como actor. Nesses clubes, ao fim-de-semana, havia bailes; contratavam um conjunto musical e quando não havia dinheiro, os bailes eram feitos com discos. E nessa altura, sempre que se tirava um disco e se punha outro, eu ia dizendo umas “larachas” para entreter e ganhei uma certa popularidade entre aquela população de 150 pessoas. Até que um dia um dos amigos que ia ao clube veio-me dizer: “Sabes, agora sou locutor numa estação que estava na Graça e que mudou para Campolide, a Rádio Luso, e eles estão à procura de locutores e tu tens muito jeito, podias experimentar”. Eu já me tinha desinibido artisticamente e disse que iria lá e assim comecei por fazer locução 2 vezes por semana. A certa altura queriam que fosse todos os dias mas era estudante e não podia. Mas a história da rádio nessa altura é muito interessante porque eu estou a falar de 1938, 1939, ou seja, as vésperas da Segunda Guerra. E os alemães e os ingleses já na altura procuravam fazer a sua propaganda através da rádio. Através da música, as duas potências davam uma grande ajuda às estações amadoras que eram pobres, não tinham receitas, tinham os seus grupos de associados. Então ingleses ou alemães cediam discos dos seus arquivos. A rádio Luso, que estava com dificuldades financeiras, entrou no jogo dos alemães e eu, que era todo anglófilo, disse que não trabalhava mais na estação e passei para uma que dava auxílio aos ingleses, o Clube Radiofónico de Portugal. Depois tive um problema com uma pessoa de lá e fui para outra que também estava a ajudar os ingleses, a rádio Peninsular, e foi assim que a minha carreira começou, mas sempre como amador. Até que um dia fui contactado pelo director do Rádio Clube Português que me convidou para ser produtor de um programa semanal na rádio que tinha os seus estúdios na Parede e eu aceitei. Fui fazer um programa de 15 minutos semanal que era o «Músicas e Palavras». Passado algum tempo convidou-me para outro programa e fiz um excelente programa semanal que passava aos domingos, chamava-se «Cinema Sonoro», dedicado ao cinema, arte pela qual também me tinha apaixonado. Entretanto, começou a aparecer a minha vida cinematográfica com o «Capas Negras». Assim, comecei a fazer muitos programas como colaborador. Passado algum tempo o Victor Santos convidou-me para passar a fazer parte do quadro de locutores do Rádio Clube Português. Era então a minha profissionalização como locutor. Fui fazer parte de uma equipa de locutores constituída pelo Jaime Silva Pinto e pela Natália Correia, veja lá.

Deu-se bem com ela?

Muito bem. Viajávamos juntos depois da emissão no comboio. Não tínhamos automóvel. Saíamos no Cais do Sodré, depois apanhávamos um táxi, eu deixava-a na Rua da Artilharia e eu seguia para Campolide. Foi um tempo engraçado.

Chegou a conhecer o António Ferro, o chefe da propaganda salazarista?

Conheci.

E qual a impressão que tem dele?

Tinha uma excelente impressão, sem fazer análise do ponto de vista político. Mas como intelectual achei-o um homem muito interessante. Ele tinha um programa na cabeça que era tornar a Emissora Nacional popular, chegar mais ao público. Naquele tempo, entre nós, a Emissora Nacional era muito formal, tudo no estilo engravatado. O António Ferro quis transformar as emissões e fazer emissões sem gravata.

E como era conviver com a censura do regime?

A censura aos locutores passava um bocado ao lado. Porque os locutores, ao contrário de hoje, só liam as notícias, não éramos nós que fabricávamos as notícias. Portanto, as notícias eram feitas no departamento de noticiários da Emissora Nacional. Esses noticiários eram feitos com base nas agências de notícias, eles é que preparavam, corrigiam e depois havia um sector que censurava internamente, ou seja, havia duas censuras, uma da agência de notícias e outra do regime.

E o dr. Salazar, chegou a conhecê-lo?

Cumprimentei-o uma vez numa recepção que ele fez aos funcionários públicos. Pareceu-me um homem muito distante. Aliás, só me lembro de uma pessoa que me tivesse impressionado com o olhar como ele me impressionou. Um olhar gélido, frio: o Nasser, do Egipto. Isto aconteceu quando acompanhei a selecção nacional que foi jogar ao Egipto e o presidente Nasser veio receber-nos.

No entanto, acabou não apenas por fazer rádio mas quase tudo o que mexe: cinema, televisão, publicidade, jornalismo. Como é possível tocar todos estes instrumentos?

É uma questão de método.

Disciplina?

Sempre fui desarrumado mas disciplinado, ou seja, sou arrumado na minha desarrumação.

E as fãs? Numa altura em que não havia televisão, as fãs deviam apaixonar-se pela voz.

Sim, havia aquele encantamento do mistério, quem é esta voz? Isso permitia situações engraçadas. Por exemplo, apanhar o eléctrico e subitamente ouvir duas pessoas a falarem sobre mim, sem saberem que eu estava ao lado.

Nunca se meteu na conversa?

Uma vez ia em São Bento no eléctrico e vinha a ouvir uma conversa entre dois senhores. Um dizia muito bem de mim. O outro dizia mal e acrescentava que já tinha almoçado comigo muitas vezes e que me conhecia perfeitamente. Então, quando cheguei ao destino, toquei a campainha para sair e disse-lhes, ao descer: “Meus senhores, muito boa tarde, eu sou o Artur Agostinho”. (risos)

E nunca teve mulheres que queriam saber quem era a voz?

Havia muito. Escreviam muito, pediam fotografias autografadas.

E enviava?

Enviei muitas.

Chegou a ter alguma a persegui-lo?

(risos) Vale a pena abrir esse capítulo?

Esse é o capítulo interessante!

Há mulheres que se sentem apaixonadas pelos actores, mas no fundo não o estão. Estão apaixonadas pela imagem que criaram deles, pela fantasia.

Chegou-lhe a acontecer isso?

Claro, recebia muitas cartas de amor.

E nunca conheceu nenhuma dessas fãs?

Não. Sempre fui defensor de manter esse mistério.

Olhando para trás, qual foi a sua maior desilusão ou mágoa?

A minha maior desilusão foi na altura do 25 de Abril quando as pessoas tentaram colar-me ao regime político porque eu trabalhava na Emissora Nacional. A mágoa foi a incompreensão das pessoas, umas por ingenuidade, outras por influência de terceiros. Enfim, a Amália costumava-me dizer muitas vezes, entre as conversas nos intervalos dos espectáculos: “Sabes, houve muita gente que me ajudou a subir na minha carreira artística. Mas quando cheguei ao topo, essas mesmas pessoas começaram a pensar na melhor forma de me deitarem abaixo.” E isto é completamente verdade. Portanto, com a revolução conotaram-me com a PIDE. Como não conseguiram transformar essa mentira em verdade, aproveitaram mais tarde para me prenderem de madrugada com a acusação de que eu fazia parte de uma associação de malfeitores. Depois ainda houve outras histórias, uma das quais envolvia a minha pessoa, vestida de padre num carro funerário, com um caixão cheio de armas... (risos). Surreal! Então fizeram uma reunião plenária no “Record”, houve uma moção de confiança, apareceu um sujeito a contar essa história do carro funerário e eu passei a traidor, etc., etc. Foi assim que acabou a minha direcção de 12 anos no “Record”.

Sabe quem foram os cabecilhas dessas infâmias?

Sei. Mas não posso dizer os nomes. Decidi não dar qualquer importância a essas pessoas. Muitos deles vieram mais tarde pedir-me perdão. Disse-lhes que estavam perdoados mas que não esquecia.

Voltando às boas memórias, como era Amália Rodrigues?

Uma grande artista, uma excelente companheira. Com muito bom humor, tinha muita graça, contava histórias maravilhosas. Mas também era uma mulher insegura, muito insegura, com medo. Medo da morte, das doenças, de deixar de agradar às pessoas, de cantar mal, medos que ela vencia de uma maneira espectacular quando começava a actuar.

E Portugal no Mundial de 1966: memórias?

Estávamos na década de ouro do futebol português. Tive a felicidade de viver uma época realmente extraordinária do nosso futebol. O primeiro indício de excelência foi numa excursão do Benfica ao Brasil. Logo a seguir o Benfica entrou a ganhar duas Taças dos Campeões Europeus no começo dos anos 60. Em 1964, o Sporting ganha a Taça das Taças, outro feito brilhante. E em 66 a Selecção foi ao Mundial. Não se pode desejar melhor.

E em termos comparativos: Eusébio ou Cristiano Ronaldo?

Não pode haver comparações nenhumas. Recuso-me a comparar jogadores de épocas diferentes, com futebol e estratégias diferentes, com condições de terreno diferentes, com bolas diferentes, com tratamentos médicos aos jogadores diferentes, com alimentação e vida social diferentes. Tudo isso pesa e não se pode comparar.

Então comparemos jogadores da mesma época: Pelé ou Eusébio?

Para os portugueses, Eusébio. (risos) Mas, realmente, Eusébio era mais completo. O Pelé foi um extraordinário mágico da bola, com uma capacidade de oportunidade e de esforço, ele “cheirava” o sítio certo onde estar. O Eusébio era mais genuíno, mais humilde. Mas ambos eram grandes jogadores.

E hoje? Está descontente com a Selecção Nacional do prof. Queirós?

Estou triste porque temos jogadores com muito talento, mas a equipa não funciona. Uma equipa de futebol não é um grupo de talentos, é uma equipa, um colectivo. O prof. Carlos Queirós conhece e sabe muito de futebol, mas parece-me que tem algumas incertezas, algumas dúvidas quando está sentado no banco.

Finalmente, vamos ao cinema. Que impacto teve o facto da voz da rádio ter aparecido nas telas? Ou seja, estou a falar, novamente, de mulheres.

Foi um impacto altamente positivo. Fiz «Capas Negras» e, como sabe, era um galã estudante, malandreco, pouco sério, interessado em sacar umas coisas, uns dinheiros para a sua República. Depois, no «Leão da Estrela», era um galã de outro tipo, um bocadinho mais sofisticado. Mas penso, apesar de tudo, que as pessoas nunca me viram como galã. Antes como um animador, um homem divertido.

A Laura Alves, sua parceira sentimental no «Leão da Estrela», era uma mulher muito bonita.

Muito bonita. Era uma grande actriz, uma grande mulher, uma grande companheira e as pessoas admiravam-na muito.

E o Artur Agostinho era uma pessoa namoradeira ou nem por isso?

Não, nem por isso. Eu era um obcecado pela profissão, um fanático do trabalho. Tive a sorte de poder trabalhar naquilo que gosto e isso nem sempre acontece. É um milagre e fiz as coisas com paixão, de tal forma que para mim não havia horários de trabalho, nem férias, isso não significava nada. Era capaz de pedir para faltar 2 ou 3 dias para ir a qualquer lado divertir-me, mas também se fosse necessário trabalhar 48 horas seguidas, lá estava eu.

Ainda hoje vê cinema português?

Tenho visto muito menos. Mas ainda vejo.

Manoel de Oliveira?

Vejo por uma questão de obrigação e respeito. Um homem que chega aos 100 anos a fazer cinema, enfim, posso não concordar com algumas fórmulas cinematográficas que ele utiliza, menos dinâmicas, menos ritmadas, mas tenho um grande respeito e admiração por ele.

E se ele o convidasse para um filme?

Com certeza que aceitava. Era uma honra para mim.

Como é que vê o Portugal de hoje?

Com uma grande preocupação quanto ao futuro desta geração e das próximas. Portugal realmente vai ter uma vida complicada. Eu vivi no Brasil seis anos, a gente sabia que era uma bagunça, mas é também um país que tem riquezas naturais. O que é que Portugal tem? A riqueza que poderá ter está nas suas pessoas e na formação delas. E a formação que eu vejo da juventude, dos estudantes, não é uma formação capaz de lhes dar força, condições e ferramentas para o futuro. Receio muito por esta geração. Eu, que sou um optimista, vejo tudo isto com muita preocupação. E aqueles que chegaram nesta altura aos 30 e tal, 40 anos e que deixam de ter a possibilidade de trabalhar, vão fazer o quê? Isto numa época em que a primeira coisa que perguntam não é o que o outro sabe fazer, mas quantos anos tem. Um disparate, claro, porque a idade é sempre relativa: eu conheço pessoas de 30 anos que são velhas e conheço homens, como o nosso realizador Manoel de Oliveira, que é jovem na cabeça.

E o Artur, que idade tem?

Tenho 87 anos.

Eu não me referia a essa idade. Referia-me à outra.

Talvez 45 ou 50 anos. (risos)

Como é a sua vida hoje?

Muito simples e fácil. Ainda faço coisas para a televisão, mas tento adequar o papel. Há 8-10 anos tive de meter a gravata diariamente durante quase dois anos na «Ana e os Sete», rodar todos os dias, incluindo aos sábados. Ia para o estúdio às 8h, saía às 20h e levava o papel para estudar para a manhã seguinte. Hoje já não posso fazer isso, é muito violento. Além disso, escrevo para o “Record”, distraio-me um bocado na internet, faço mais companhia à família do que fazia, dou as minhas voltas, vou ver um ou outro espectáculo, vou almoçar fora com a minha mulher. E depois tenho a escrita, que ajuda muito a preencher o tempo.

E como gostaria de ser lembrado?

Como um gajo porreiro! (risos)





[JPC, na GQ, Janeiro de 2009]

domingo, 20 de março de 2011

Sugestões














1. O disco de Luisa Sobral "The Cherry on My Cake" é uma simpática alegria e companhia. Uma voz bonita e divertida em canções muito variadas, algumas em português, a maior parte em inglês. Esteve lá fora, estudou e vem cheia de coisas boas. Não hesite: compre e ouça !

2. No nosso país, graças ao fundamentalismo de alguns e à inércia de muitos, continuamos a não poder decidir da nossa morte e a ficar à mercê do bom senso ou da falta de senso dos médicos que nos estiverem a acompanhar. A legislação sobre o Testamento Vital ou a Directiva Antecipada arrasta-se no nosso Parlamento mas se quiser perceber o que está em jogo, o que pode fazer e, sobretudo, esclarecer-se sobre estas questões tão importantes, não pode deixar de ler o livro "Testamento Vital - O que é ? Como elaborá-lo ?" da autoria de Laura Ferreira dos Santos, uma das pessoas que mais sabe sobre o assunto (Sextante Editora).

[FTM]

segunda-feira, 14 de março de 2011

A continuação...

O porta-voz do Departamento de Estado, J.P. Crowley demitiu-se ontem.

[FTM]

domingo, 13 de março de 2011

Obama v. Obama ?


Bradley Manning é o soldado americano que foi preso em Maio de 2010, no Iraque, suspeito de ter passado à Wikileaks uma imensidão de documentos classificados, entre eles os famosos telegramas diplomáticos que, quanto ao nosso país, tão bem retratam a miséria (cultural) nacional, em especial, na compra do equipamento militar.
Os EUA ainda não conseguiram apanhar Julien Assange e acabar com a Wikileaks (1.ª Emenda "oblige" e a web não facilita) embora não desistam de o fazer. Uma das formas possíveis de o incriminar seria provar que tinha sido ele quem teria aliciado o jovem soldado a desviar a documentação em causa. Para levar Bradley Manning a confessar essa conveniente verdade, a estratégia tem sido, em violação da lei, a manutenção de Bradley Manning em condições prisionais extremamente duras, em isolamento total e só com direito a uma hora por dia fora da cela. Recentemente, na sequência de queixas apresentadas por Manning quanto à sua situação, passou a ter de obrigatoriamente despir-se todas as noites, dormindo nu, segundo as autoridades militares para evitar o seu suicídio...
Mas Crowley, porta-voz de Hillary Clinton, veio agora dizer, num seminário do MIT em Boston, que Bradley Manning estava ser maltratado pelas autoridades militares, afirmando expressamente que o que lhe está a ser feito "... é ridículo e contraprodutivo e estúpido da parte do ministério da Defesa".
Obama já veio, pelo seu lado, dizer que as autoridades militares lhe confirmaram que estão a ser respeitados os "basic standards"ao mesmo tempo que as Nações Unidas investigam se estão perante um caso de tortura... (T0 be continued)
[FTM]

Ora aí está

Interrogado sobre a manifestação da «geração à rasca» (uma designação pérfida), o primeiro-ministro respondeu que compreendia bem os «problemas dos jovens» (o que é já todo um programa) e que, por isso, tinha aprovado leis como a da paridade, a do divórcio litigioso, a do casamento entre pessoas do mesmo sexo ou a da interrupção voluntária da gravidez. «É assim que se constrói uma política de modernidade e uma política para o futuro», concluiu.
[FJV]

Inevitabilidade

«As pessoas» habituam-se facilmente às inevitabilidades. Por exemplo, a inevitabilidade da União Europeia como ela é gerida hoje; à inevitabilidade de não discutir, debater e votar os tratados sucessivamente assinados em nosso nome (como se sabe, recordem bem e não se esqueçam, porque não estávamos preparados para discutir coisas tão complexas); à inevitabilidade de todas as medidas impostas a partir da União (desde, e não estou a rir, a distância entre os dentes dos garfos, a taxa de gordura dos queijos, o tamanho e forma dos legumes — até aos cortes nas reformas, às reformas das leis laborais, etc.); à inevitabilidade dos orçamentos de Estado que era necessário aprovar, caso contrário seria a catástrofe; desde há um ano, à inevitabilidade de todas as medidas de austeridade que visam tapar buracos gerados por anos e anos de despesas indiscriminadas para «construir uma política de modernidade»; à inevitabilidade dos conluios entre o governo e as grandes empresas amigas, mesmo que isso significasse esmagar os cidadãos; à inevitabilidade de todos os sacrifícios nas «políticas sociais»; à inevitabilidade nas curvas e contracurvas da propaganda, «porque todos fazem o mesmo»; à inevitabilidade da «engenharia social» na educação ou na política de família; à inevitabilidade do governo «porque todos fariam o mesmo». Isto conduziu à anestesia geral, à indiferença, à autorização daquela bonomia feliz com que se anunciam «sacrifícios colectivos» sem discussão prévia, à contemplação embevecida de todos os «porreiro, pá», ao adormecimento da própria consciência cívica que encolhe os ombros quando um acto eleitoral está manchado por erros e boicotes óbvios. «As pessoas» tornaram-se indiferentes, autorizam tudo, acham tudo «normal», pensam que tudo é banal. Quando tudo é banal, nada é banal — tudo pode ser uma catástrofe subterrânea.
[FJV]

sábado, 12 de março de 2011

Sugestões

















Eu sei que é desagradável a actual designação do Centro Cultural de Belém, em Lisboa, mas esqueça esse pormenor porque vale mesmo a pena ir ver as 3 exposições que estão por lá. A "Mappamundi" é uma festa para os olhos e para a mente, com inúmeros desafios (feitos por cerca de 50 artistas) às nossas ideias do que é um mapa. A "Tinta nos Nervos" é uma viagem sobre a banda desenhada portuguesa com representação de 41 artistas. Por último, "Observadores – Revelações, Trânsitos e Distâncias " é uma exposição que parte da colecção do museu para evidenciar "a relação triangular entre a obra de arte, o artista e o espectador". Para além do prazer que pode retirar da visita a qualquer das exposições, têm todas outra vantagem: são gratuitas. Não hesite: vá !
[FTM]

quarta-feira, 9 de março de 2011

«Mamãe eu quero»



«São uns corpos de branquelas enregeladas, à espera das dietas de abril e maio. E uns trejeitos pelintras de quem imagina o sambódromo como uma dependência de um baile de bombeiros. E um frio tremendo a bafejar os 'foliões' que vão para a rua ver passar desfiles de maltrapilhos. E uns machões de ‘tule & serpentina’ mascarados de meretrizes. E umas senhoras a gritar 'mamãe eu quero'. E uns carros alegóricos com o nariz de José Sócrates, disfarçados em cima de tratores enlameados. E uma imitação de alegria que a chuva arreda para o meio da tarde. E umas atrizes de novela à espera que tudo acabe para poderem arrecadar o modesto cheque. E neve no alto das serras, transformada em lama nas ruas cá em baixo. O 'carnaval lusitano' é um dos nossos pequenos horrores periódicos.»

Sugestões


«Company é uma peça sobre o casamento. Ou, como diria Musil, é uma peça sobre os homens sem qualidades: capazes de habitar o mundo moderno sem estabelecer nenhuma ligação substancial com os seus semelhantes.»

[JPC, na Folha, a 9/5/2007]

terça-feira, 1 de março de 2011

Moacyr Scliar (1933 - 2011)



«De Moacyr (1933-2011), os primeiros livros que li foram O Exército de um Homem Só e O Centauro no Jardim, momentos centrais de uma obra de interrogações e perplexidades. A Mulher Que Escreveu a Bíblia é um desses livros, tal como A Majestade do Xingu, uma história da emigração de judeus russos para o Brasil. O seu mundo era esse: o de Porto Alegre, a sua cidade transformada em catalisadora da sua memória judaica, da gente humilde que fugira da velha Rússia ou do comunismo. Lembro a sua casa, cheia de livros; escrevia em todo o lado, a toda a hora, sempre com um livro 'para terminar'. Ficámos amigos por causa de A Condição Judaica, um pequeno livro que mostrava o Moacyr simples, com o seu gosto pela beleza ética do judaísmo. Um adeus para Moacyr não basta.»

[FJV, no Correio da Manhã]

«Depois da farsa»



«Sócrates vai a Berlim na quarta-feira. Para receber elogios de Merkel? Seja. Mas este filme não altera o guião original: uma economia em recessão, uma despesa sem controlo e juros que nos esmagam sem piedade.
Perante este cenário, que podemos esperar a médio prazo? Não, obviamente, o que Sócrates espera: que o fundo europeu possa comprar dívida; ou, então, que venha um empréstimo sem o FMI. No horizonte, estão dois cenários funestos.
O primeiro cenário é, vergados pelos juros e com o BCE a fechar a torneira, termos um pacote semelhante ao da Irlanda e da Grécia, o que significará que o governo falhou. O segundo é a sra. Merkel dar ouvidos aos economistas alemães e entender, não sem alguma razão, que não vale a pena aplicar a terapia grega e irlandesa a Portugal quando essa terapia não estanca contágios (antes pelo contrário) e destrói a capacidade de recuperação económica dos resgatados. A solução será reestruturar a dívida e aceitar a falência: do governo e do país.
Na quarta, Merkel consola Sócrates. Uma caridosa farsa. Seria mais útil que se fosse despedindo dele.

[JPC, no Correio da Manhã]

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

«Elogio aos gagos»


«O Discurso do Rei não é um grande filme. Mas é, sobretudo, um filme exemplar sobre a mais rara das virtudes: a virtude da resiliência. Esse sentimento moral profundo de que existem deveres que não apenas são superiores a nós como exigem o melhor de nós.»

[JPC, na Folha]

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Gérard Castello-Lopes, 1925-2011


«Recordo as imagens de ‘Perto da Vista’, livro que a Imprensa Nacional publicou em 1984, e a surpresa diante das fotografias de Gérard Castello-Lopes (1925-2011). Vi-as depois, aqui e ali: um prodígio de composição, de luz, de elegância.
A sua morte (no sábado, em Paris) foi tão longínqua como o seu desprendimento em relação à fotografia, em que se identificava o traço de ligação a Cartier-Bresson. Gérard Castello--Lopes era emblema de uma geração ligada ao cinema, à perplexidade e à melancolia. Os seus textos sobre fotografia, publicados em ‘Reflexões sobre a Fotografia’ (publicado pela Assírio & Alvim há sete anos), dão parte desse cruzamento. Nenhum dos seus retratos deixa um rasto de indiferença; pressente-se um rumor, um gesto, um mundo à espera.»

Sugestões


«A internet foi a primeira grande revolução da minha existência literária. Mas o livro eletrônico será a segunda ao introduzir a mais importante divisão intelectual da vida. Haverá sempre livros que desejarei ter; e "ter" no sentido tangível do verbo: como objetos físicos, artísticos, existenciais. Nesse sentido, as livrarias continuarão a ser os únicos templos laicos que frequento com religioso fervor. Mas depois existirão os livros que quero ler. Simplesmente ler. Não amanhã, ou depois, ou um dia qualquer. Mas hoje. Agora. Já. O sonho de qualquer leitor curioso, insaciável, ditatorial.»

[JPC, na Folha]

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Fumar, urinar, mendigar




«A semana foi dominada pelo Egito. Mas existem sinais de fanatismo do outro lado do mundo. Falo de Nova York, que resolveu aprovar uma lei revolucionária sobre o fumo.
Segundo leio, o conselho municipal da cidade, na impossibilidade de exterminar fisicamente os fumantes (por enquanto), prepara-se para afastá-los da paisagem.
Fumar em parques, praias e outras zonas pedestres (como Times Square) será virtualmente impossível. E existem multas para os prevaricadores: US$ 100, ou seja, R$ 166, exactamente o mesmo para quem urina em público ou pede esmola.»

[JPC, na Folha.com]

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Patriotismos


«Na ausência de uma invasão castelhana, a esquerda, qual padeira de Aljubarrota, pegou em armas contra o FMI, lutando patrioticamente pela indigência nacional e pela sua hipotética soberania. O combate, hercúleo, diga-se de passagem, pode ter os dias contados, mas, em contrapartida, tem proporcionado tiradas grandiosas sobre os inimigos da Pátria e, melhor ainda, sobre os traidores que nela borbulham. É assim que qualquer dúvida sobre o estrondoso ‘sucesso’ que permitiu vender dívida soberana a juros de 6,7 por cento é vista como uma capitulação perante os malditos mercados que insistem em atacar-nos, fingindo desconhecer os méritos do engº Sócrates e os dados da execução orçamental de 2010, um ano exemplar, no qual a despesa disparou e o défice diminuiu graças ao fundo de pensões da PT.
Perante este quadro mental, qualquer patriota que se preze deve pois evitar falar de qualquer problema nacional, renunciar definitivamente ao debate e elogiar abundantemente o actual Governo de forma a oferecer ao mundo, e à Europa em particular, uma visão idílica de um país endividado e à beira da bancarrota, onde o desemprego dispara e o crescimento económico soçobra. Se tal não funcionar, como é natural que não funcione, sobra ao patriota em causa a opção pela luta armada: bater o pé aos especuladores, dar murros na mesa dos mercados, insultar a srª Merkel, e de passagem o sr. Sarkozy, e berrar histrionicamente contra a intervenção do FMI, esse papão que ameaça invadir-nos sob pretexto de que não podemos continuar a emitir dívida sobre dívida, durante tempo indeterminado. Para a esquerda, obviamente, podemos, até porque, em última análise, os mercados que nos atacam são os mesmos que nos continuarão a emprestar dinheiro indefinidamente.
Do outro lado da barricada encontra-se, naturalmente, a direita, que, na feliz expressão do ministro Santos Silva, 'saliva' perante a chegada do FMI para, com o seu beneplácito, poder dar asas à sua tenebrosa política contra o Estado Social que o próprio engº Sócrates se tem encarregado de desmantelar. Escusado será dizer que esta radiosa visão das coisas, onde os ‘bons’ combatem patrioticamente os ‘maus’, não resiste à mais elementar análise. Porque o que a esquerda parece não perceber é que, com ou sem FMI, o país vai ter mesmo de mudar de vida. É a vida.»




quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Novo ano, nova hora


O «A Torto e a Direito» mudou de hora: das 22h para as 23h. Mas sempre aos sábados. Em breve, os vídeos do programa estarão disponíveis no blogue.

Figuras tristes



«A campanha de Alegre mete dó. Não apenas pela forma desesperada como o bardo vai rapando o latão do lixo dos escândalos pífios (o ‘caso BPN’, o ‘caso das escutas’) para atacar Cavaco. Mas porque o homem nem se apercebe que o seu principal adversário não é Cavaco; é o PS, que o deixou entregue ao seu destino, sem se comprometer com a campanha. Não é preciso olhar para as sondagens para saber que o largo do Rato não morre de amores pelo seu candidato. Basta acompanhar as suas deambulações: todos os dias, as televisões apresentam as ‘arruadas’ de Alegre. E o que espanta é a ausência. Quando muito, Alegre tem meia dúzia de gatos pingados que o ouvem entre o bocejo e o ronco. Como foi possível chegar a isto? Fácil: pela alienação de todas as partes. A esquerda ‘independente’ que o apoiou em 2005 não lhe perdoou a rendição; e o aparelho não lhe perdoou a independência de 2005. Alegre não é apenas um homem só; é, coisa mais triste, uma contradição ambulante.»

[JPC, no Correio da Manhã]

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Pisas

«O PRIMEIRO-MINISTRO não resistiu a festejar os resultados dos alunos (de 15 anos) nos testes do PISA. Quem ama a propaganda, sucumbirá à propaganda. Não é apenas um 'trabalho de estatística', como o seriam o fim dos exames ou a falta de rigor nas provas de matemática e português, em que os seus governos insistiram. Portugal continua abaixo da média (com 487 pontos para 493 de média, contra 556 de Xangai ou 539 da Coreia). Os resultados provam que não se melhora numa legislatura nem com propaganda aos computadorzinhos – é trabalho de uma geração e vem de há mais de dez anos. Daqui a mais dez se verá se vale mais apostar na exigência e no trabalho do que no festejo das estatísticas.»

[ FJV, no Correio da Manhã ]

Morto de fome

«CAVACO SILVA está preocupado com a fome dos portugueses. Mas não de todos os portugueses: a fome de atenção de Manuel Alegre, por exemplo, não merece do candidato Cavaco uma única migalha.
Verdade que, para sermos justos, a triste condição de Alegre é responsabilidade exclusiva da dieta a que o próprio se impôs. O dilema era conhecido: como ser apoiado pelo Bloco e pelo PS sem se comprometer com nenhuma das partes? Alegre acreditou que era possível compensar tamanha falta de alimento com ataques sucessivos ao cozinheiro Aníbal. Infelizmente, não lhe ocorreu a hipótese funesta deo cozinheiro pousar os tachos. E de Alegre ficar, sozinho e famélico, a olhar para um prato vazio. E agora?
Agora, Alegre confessa que está ‘farto de se ouvir’, um sintoma clássico de subnutrição que merece ser socorrido. Estamos no Natal. E o Presidente da República, a título caritativo, devia conceder ao bardo uma palavra, um aceno, um leve sorriso. Não enche a barriga, é certo. Mas também, nesta história das presidenciais, só mesmo Cavaco é que tem a papinha feita.»

[ JPC, no Correio da Manhã ]

domingo, 7 de novembro de 2010

Tribunais Populares

Pedro Passos Coelho pretende responsabilizar civil e criminalmente quem espatifou as contas públicas. Uma ideia populista e perigosa em tempos de histeria colectiva? Não na cabeça do dr. Passos, que já anda por aí em campanha eleitoral com o nobre propósito de despejar o eng. Sócrates em 2011. Acontece que a tarefa é mais difícil do que o PSD imagina. Sim, uma moção de censura seria o caminho directo para o tesouro. Mas o dr. Passos sabe, e o dr. Louçã já avisou, que a esquerda não votará com a direita para derrubar o governo. Essa porta está fechada. Como está fechada a porta presidencial, sempre avessa a aventuras do tipo e perpetuamente obcecada com a ‘unidade nacional’. Sobra ao dr. Passos esperar que o PS ‘profundo’ se levante em armas contra o pérfido e usurpador Sócrates, isto se o pérfido e usurpador Sócrates não tiver, como se prevê, mais uma vitória norte-coreana no próximo congresso. O PSD quer voltar rapidamente ao poder; mas nenhum dos atalhos parece aberto de momento. Se calhar, a única solução que resta é mesmo pôr os tribunais a fazer o trabalho sujo da política.
[Crónica no Correio da Manhã]
[JPC]

Um boneco

Tirando os ataques à ineficácia de Cavaco e à maldade dos ‘mercados’, Manuel Alegre não acha nada sobre coisa nenhuma. Esta semana, em peregrinação aos sindicatos, o candidato presidencial inaugurou uma nova forma de fazer política, que consiste, essencialmente, em não a fazer.
Confrontado com a greve geral, Alegre não apoia nem deixa de apoiar, embora compreenda ou talvez não. A posição de Alegre é interessante e explica-se pela camisa-de-forças em que o candidato se meteu, dramaticamente dividido entre o PS e o Bloco. Mas, pergunto, não haveria uma forma caridosa de poupar o bardo a estes vexames? Penso que sim. Bastaria que a candidatura de Alegre enviasse o próprio para casa e, em seu lugar, mandasse fazer um boneco de cera, em tamanho natural, que poderia ser levado para comícios, debates e outros contactos com o povo. A coisa animava a campanha e o boneco, quando confrontado com qualquer questão, poderia sempre responder um ‘não-concordo-nem-deixo-de-concordar’. Era só puxar o fio ou, melhor ainda, enfiar uma moeda. A campanha pagava-se a si mesma.
[Crónica no Correio da Manhã]

[JPC]

domingo, 31 de outubro de 2010

Sugestões. Uma memória de fim de século.


Acabo de ler a biografia de Francisco Sá Carneiro, de Miguel Pinheiro (Esfera dos Livros, 768 págs.). Na história dos partidos não-comunistas do pós-25 de Abril, Sá Carneiro foi o único dirigente capaz de criar um partido a partir do nada. Há duas leituras essenciais da sua figura — uma, largamente maioritária, privilegia o homem que quis acelerar o fim do regime revolucionário (com um projecto de revisão constitucional anti-socialista logo em 1978, a luta contra o eanismo e o papel do Conselho da Revolução, o confronto directo com a esquerda e com a imposição dos herdeiros da I República, de que Mário Soares era a figura principal); outra, absolutamente minoritária (e de que Miguel Real é um excelente intérprete), que o vê como um personagem trágico esmagado pelo provincianismo português, de esquerda e de direita.

O livro de Miguel Pinheiro acompanha a biografia política de Sá Carneiro dia a dia, semana a semana: o desenho desse personagem é cada vez mais nítido à medida que se aproxima da morte, cercado de conspirações (grande parte delas só existia na sua cabeça, o que não quer dizer que não fossem reais), de traidores, de submarinos, mas — sobretudo — de vencidos. Ele foi o primeiro político do mainstream a perceber as vantagens do radicalismo, a não contemporizar com as terceiras vias da época, a não ter pudor em fazer da política um jogo, a afrontar os lugares-comuns da via original para o socialismo (e a não sentir esse apelo romântico) e a nomear claramente os seus adversários. Num último golpe, tentou ainda uma aproximação com Mário Soares; Soares sempre esteve aberto a essa grande coligação que tomasse o poder, desde que garantisse o seu lugar à frente da História, mas Sá Carneiro percebera como ninguém que, mesmo nos meses de fogo e chumbo de 1975, primeiro, e 1976, depois, esse projecto seria a morte do PSD, um partido que nascera como herdeiro dos liberais do marcelismo, e que, na sua matriz, era europeu, conservador à maneira inglesa (o que era difícil num pais sem grande gosto pela liberdade e com um ódio radical contra «as elites»), anti-comunista — e cuja base eleitoral era essencialmente populista. Acontece que não podia ser de outra maneira. Foi durante o curto consulado de Sousa Franco à frente do PSD que nasceu a teoria das duas matrizes do partido: ele, Sousa Franco, era o representante do PSD «urbano», «socializante», de «esquerda»; Sá Carneiro tinha o apoio das «massas rurais» sobretudo do Norte e do interior, era «anti-socialista» e não compreendia as vantagens da contemporização. A definição era tão estreita que o próprio Sá Carneiro ficou surpreendido com os riscos que corria e com a natureza do seu «radicalismo» — que os dissidentes de Aveiro, comandados por Sá Borges e pelos herdeiros de Emídio Guerreiro, e os mentores das «Opções Inadiáveis», mais tarde, definiam como caudilhismo e prepotência. Entre esses críticos estavam Sá Borges e Emídio Guerreiro, é certo, mas também Artur Santos Silva ou Magalhães Mota, Mota Pinto ou Sérvulo Correia, e todos os que entendiam que era necessário ser maleável e contemporizador, mas não tinham entendido suficientemente que ou ficavam presos à estratégia de Mário Soares e Eanes para o novo regime (Soares criou Eanes como candidato fraco à presidência na esperança de o substituir mais tarde ou mais cedo — mas nunca teve ilusões sobre o seu moralismo militar e, no fundo, detestava a figura do general), ou afrontavam o PREC e os seus herdeiros. Quando Sá Carneiro tenta a última aproximação com Soares (ele seria primeiro-ministro e Soares o primeiro presidente civil — o que significaria a antecipação do fim do papel político dos militares), Soares não avaliou correctamente a situação (como não avaliaria mais tarde, na sua candidatura contra Freitas) e tomou os seus desejos por realidade, como de costume, confiando na ideia de que a sua genialidade lhe bastava. Enganou-se: daí a poucos meses, o PS ficaria reduzido a 27% e Sá Carneiro conquistaria a primeira maioria absoluta de direita com a AD. É dessa época, aliás, que datam alguns dos episódios mais edificantes do moralismo de esquerda, com críticas do próprio Soares à «relação extra-conjugal» de Sá Carneiro com Snu Abecassis, um assunto que o PS levaria inclusive para o parlamento e que Eanes explorou no seu confronto posterior com o primeiro-ministro que foi obrigado a nomear. Sá Carneiro alimentou sonhos demasiado altos — desde o de um país libertado do provincianismo até à ideia de ser presidente da República (os ataques baixos a Snu foram definitivos na decisão de abandonar o projecto presidencial). Viu, antes de outros (a geração do Semanário, por exemplo, que acabou por assumir uma parte da sua herança civilista e anti-socialista), o que seria esse país dirigido por militares, contemporizador, servil, pequenino. As suas características bipolares não poderiam ajudá-lo; as suas sucessivas depressões foram dolorosas; a história do seu casamento é a de «Um Adeus Português» ao contrário (ele teve a sorte que não teve O'Neill, mas também a coragem que O'Neill não poderia ter na época), e que Agustina Bessa-Luís retrata em Os Meninos de Ouro com a habitual e justa crueldade. A morte prematura faz dele um herói literário que Miguel Real analisa (em O Último Minuto na Vida de S.) e acaba para transferir para Snu Abecassis, transformando «o último grande amor português» num combate contra o país arcaico, mau, mesquinho, moralista, conspirador, falsamente republicano, oligárquico e herdeiro da Inquisição. Temos poucas biografias entre nós; a de Miguel Pinheiro é um retrato em pano cru de um dos últimos cometas trágicos da nossa política; o que lhe falta em interpretação sobra-lhe em petite histoire deliciosa, em registo factual, em documentação reunida e em entrevistas com actores da época (só isso justifica a abundância de reconstituição de diálogos). O desenho que se vai formando é o de um homem contraditório que prepara, sem o saber, a sua própria biografia como um dos primeiros desiludidos com a revolução e com a fé.

[FJV]

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Sugestões



Martin Gilbert, biógrafo oficial de Winston Churchill, tem novo livro na praça: uma monumental História do Século XX (Dom Quixote). Para ler nos intervalos da odisseia, a poesia de Ferreira Gullar (Em Alguma Parte Alguma, Ulisseia), Prémio Camões em 2010 e que concedeu esta entrevista supimpa ao Público.
[JPC]

domingo, 24 de outubro de 2010

Sugestões



Manuela Gonzaga conta-nos uma história verídica do princípio do século XX português que nos educa e instrói: a paixão da filha do fundador do "Diário de Notícias" e mulher do administrador pelo seu motorista. Acusada de louca pelo marido, viu eminentes médicos como Júlio de Matos, Egas Moniz e Sobral Cid emitirem pareceres no sentido da sua loucura e da necessidade do seu internamento com base em doenças como a menopausa e a ovarite. Maria Adelaide esteve internada em hospitais psiquiátricos durante anos, de onde conseguiu fugir, lutando por se defender do poder masculino, económico e científico da época, numa odisseia dolorosa que vale a pena conhecer. Uma leitura para qualquer hora do dia.


O site wikileaks.org é um dos heróis do ciberespaço, trazendo-nos informação impensável sobre diversos temas. Mais conhecido pela divulgação de numerosos documentos oficiais norte-americanos sobre a guerra no Afeganistão, há alguns meses, traz-nos agora centenas de milhares de documentos sobre a guerra do Iraque, uma guerra de uma violência inaudita que destruiu (e continua a destruir) incontáveis vidas e famílias mas que cumpriu o seu único objectivo: assegurar o fornecimento do petróleo ao Império. [FTM]

sábado, 23 de outubro de 2010

Sugestões - I

Apesar de a República caminhar para o seu fim, digo, as comemorações do centenário da 1.ª República caminharem para o seu fim, ainda vale a pena ler alguns dos inúmeros livros publicados sobre esse período, nem glorioso nem vergonhoso, da nossa história recente.
António José Telo, neste excelente livro, chama-lhe, numa expressão divertida, um "regime bizarro e cheio de paradoxos". Também eu, tal como o autor, tinha (e tenho) um fascínio pela 1.ª República, pelo facto de ser um regime "democrático" por oposição à "ditadura" do Estado Novo. E, embora as inúmeras versões revisionistas da nossa História nos levem a reconsiderar os conceitos de "democracia" e de "ditadura" quando aplicados a estes períodos, nem por isso a 1.ª República passou a ser uma ditadura, nem o Estado Novo uma democracia. Parece-me, claro ...
[FTM]

Sugestões - II


José Luis Saldanha Sanches era uma pessoa séria e de qualidade e o seu último trabalho, publicado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos e escrito já na cama n.º 56 do hospital, é, igualmente, sério e de qualidade.
Definindo conceitos essenciais sobre a fiscalidade e a história da justiça fiscal, Saldanha Sanches explica-nos algumas coisas importantes tais como que "entre as condições hoje consideradas necessárias para o crescimento económico podemos considerar itens como programas eficientes para reduzir a pobreza, criação de redes de segurança social eficazes ou normas estruturais que combatam com sucesso a corrupção e (mesmo antes da crise de 2008) uma boa regulação dos mercados financeiros."
Nestes tempos de toque a finados do Estado Social em que os infractores saiem beneficiados, convém ter presentes estas verdades...
[FTM]

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Sugestões



Alberto Gonçalves escreve no Diário de Notícias e na revista Sábado onde, semana após semana, contribui para os serviços de cardiologia do Sistema Nacional de Saúde. Sem motivo: estivesse o país habituado à crítica irónica, independente e inteligente e as válvulas continuavam a bombar com normalidade e riso. O seu último livro é Ninguém Diga Que Está Bem. Mas eu digo: o livro está muito bem. [JPC]

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Engenharia













Todos nós entendemos de engenharia financeira. Trata-se, em resumo, de obter financiamento e de garantir receitas com alguma antecipação. Uma vasta geração de optimistas tomou conta do poder com a ideia de que a engenharia financeira era desculpável e alienável, esquecendo coisas como dívida pública, dívida externa e dívida das famílias. A maior parte dos teóricos da «engenharia financeira do Estado», como da «engenharia social», pode ser bem intencionada. As boas intenções são sempre lamentáveis porque acumulam desculpas sobre desculpas, e tratam os cépticos como «economicistas» ou «conservadores» diante do grande magistério de ousadia que representam as suas políticas de alto endividamento. Basicamente, toda a gente percebe que se gastou mais do que se devia. A única engenharia possível é a que garanta condições de financiamento da economia, coisa que não se consegue enquanto não se alterarem os comportamentos do Estado e das pessoas. Chama-se a isso temperança. Uma coisa muito conservadora.
[FJV]

Empresas amigas

Um dos flagelos do regime é a existência de empresas amigas. Estão no Orçamento de Estado — pagamos muitas das parcerias, desembolsamos muitos dos apoios às empresas amigas do Estado, que, em Portugal, se confunde muito com o governo. Por isso acho estranho que Pedro Passos Coelho peça, como uma condição essencial, que o Estado «apoie as empresas». O único apoio que as empresas devem ter do Estado é permitir que as deixem trabalhar. Aos cidadãos, que se lhes permita viver. O Estado que se meta na sua vida, que faça as suas contas, que nos deixe em paz.
[FJV]

Voltámos




















Depois da primeira emissão da nova série de A Torto e a Direito (que contou com a presença de Miguel Portas, eurodeputado do Bloco de Esquerda, como convidado), a equipa-base (faltou a Rita Severino, excelente produtora do programa) reuniu — para jantar. Foi no Mãe d’Água/La Cocina de Angel, no Jardim das Amoreiras, em Lisboa, que nos encontrámos para, imagine-se, discutir as próximas eleições e aprovar o orçamento, tudo ao mesmo tempo. Algumas imagens dão conta do grande sentido de responsabilidade (coisa muito pedida, ultimamente) da equipa.
[FJV]